Cunhada Crismanda e o Galo Índio Gigante [Diário Íntimo]

28 de maio — Já passa da meia-noite, e eu já passo da hora da verdade ao escrever este diário, pois tecnicamente hoje já é o dia 29 de maio. Então “hoje” foi domingo de 1ª comunhão da mi­nha cunhada na paróquia. Muitas coisas aconteceram. Vejamos se consigo passar pelo menos um resumo breve do dia aqui.

Acordamos cedo, pois Esposa deveria estar na paróquia uma hora antes do início da celebração: a Primeira Comunhão da Cunhada. Eu me levantei e fui, por algum motivo de qual não me recordo agora, abrir a porta da sala, apenas para me deparar com um fran­go na varanda.

É! Um frango! Ele tinha as penas escuras e era enorme, pois vi depois que se tratava de um galo muito jovem.

Cadela espreitava ameaçadoramente na ou­tra ponta da va­randa, aguardando a chance para fazer o que ela faz de melhor e sempre: carnificina.

Qual não foi a minha surpresa! Quase esfreguei os olhos para ver de verdade. Só podia ser brincadeira!

Chamei Esposa pra ver, pois parecia que ela não tinha acreditado no princípio.

Ela veio e viu. Depois riu.

E agora? Que fazer?

Não deu muito tempo para decidir. Cadela decidiu por mim: atacar!

Tinha que agir rápido! Consegui reunir forças e impedir um “massacre” na porta de casa logo cedo. Prendi Cadela e Cão e dei­xei o bicho no quintal, com o espaço disponível só pra ele.

Fol­gado e perdido, ele se instalou sob os protestos caninos. Não. Não foi engraçado. A natureza é implacável!

Beleza. Vamos à igreja. E Filho saiu sem tomar café. De um te­lefonema, Sogra providenciou um cuscuz com ovo pro neto.

Chegamos à igreja, eu dei o café da manhã ao meu filho.

Agora, cadê a água dele? Ficou esquecida em casa. Toca pegar o carro e voltar pra casa. Chegando aqui, não consegui encontrar a colher dele também. Já estava quase perdendo a graça…

Ao retornar à paróquia, já passava das 8h, então não tinha mais vaga para estacionar. Parei de qualquer jeito entre muitos carros e corri com Filho de um lado e a marmita de outro. Entrei na igreja e saí logo em seguida para dar comida ao guri. Ouvi o pa­dre conversar com os candidatos da 1ª comunhão. Cunhada estava lá, no final da fila como sempre. Sempre se escondendo.

Cunhada é muito tímida, mas eu acredito que ela, na verdade, sofre de fobia social. Algo que pode ser tratado por profissional da psi­cologia ou psiquiatria. O engraçado e triste é que quando falo isso minha mulher reage como se eu falasse algo ofensivo. E é exata­mente o oposto: estou tentando defender minha cu­nhada de uma vida miserável e aleijada.

Veja bem: a fobia social pode paralisar suas capacidades e impe­dir que você atinja seus objetivos. Qual o sentido de viver dessa ma­neira se a gente quer justamente ir a lugares e realizar fei­tos?! E, se eu conheço Cunhada, mesmo que só um pouco, ela é “cheia de sonhos.” Cheia de ambições e metas… A timidez ex­cessiva não é saudável. E Cunhada é muito talentosa. Seria uma pena e uma vergonha ela ficar estagnada, com medo de vi­ver.

Esposa levou a câmera fotográfica e me pediu para fazer umas fo­tos. Fiz algumas interessantes. Não paro de pensar que Cunhada deveria ter arrumado o cabelo de modo que fosse possível ver me­lhor o seu rosto, mas acho que já opinei demais no comportamen­to dela. Deixe estar…

Quando eu estava andando pelo corredor, Sobrinha veio ao meu encontro para dizer olá para o primo, que estava no meu colo. Ele também se animou ao avistar a priminha. Nós três fo­mos para fora. Ela também comeu um pouco do cuscuz que a avó preparou. Depois voltamos para continuar assistindo à celebra­ção.

Acabada a cerimônia, fomos à casa da Sogra para tomar café da manhã. Eu fui até minha casa para tentar “dar um jeito” no fran­go galo índio e soltar os cachorros, já que eles provavelmen­te pre­cisariam, a esse momento, de fazer um xixi ou um cocozi­nho no quintal.

Então começou uma dinâmica heroica de bater de porta em porta para encontrar o dono desse animal infame. Minha pri­meira escolha foi, obviamente, Dona Vizinha (da janti­nha), pois ela tem várias galinhas e com certeza saberia algo a respeito do deso­rientado galináceo invasor.

Doce ilusão. Primeiro, chamei Patriarca Vizinho porque parece que ele escuta alguma coisa naquela casa. Segundo, Dona Vizinha não é quem eu pensava que fosse; a pessoa que veio, a senhora, nunca tinha sido vista por estes olhos que um dia a terra há de comer.

É. Eu queria utilizar a expressão há um tempo, mas não houve chance.

A senhora Dona Vizinha veio até aqui no meu portão, sob insistência minha, e me informou que o frango não consta de seu bestiário atual.

Agradeci a boa vontade e a disposição e voltei à estaca zero.

Só que aí me lembrei de uma residência aqui na rua que emite mui­tas vozes de galinhas. A casa 12! Meus olhos voltaram a se ilumi­nar recheados com esperança!

Subi a rua e bati ao portão de ferro do número 12.

Primeiramen­te, nada. Depois, alguém apareceu do lado de dentro. Dava para ver pela fresta. A pessoa parecia não querer abrir. Eu in­formei o motivo do contato. Ela fez “uhum.” Eu pedi, asserti­vamente, para entrar ou pelo menos que ela abrisse o portão. Ela hesitou. Eu insisti. (Você não está acreditando que eu vou desistir, né? Ah bom…).

Ela cedeu. Ufa! Uma senhora, um mu­lher de seus 35–40 anos, abriu o portão. Eu expliquei a trama da novela. Ela me in­troduziu no quintal onde uma população ba­bilônica de galinhas habitava. Depois ela fez vir à minha pre­sença uma matriarca ido­sa, que começou a me apresentar às ga­linhas pormenorizadamen­te.

Eu convidei a senhora, Dona Matriarca Idosa, para vir ao meu portão a fim de identificar o frango. Ela veio e trouxe o filho/neto [?].

Não. O frango também não é dela, mas ela se ofereceu para cui­dar dele pra mim, para que eu pudesse soltar os cachorros.

Finalmente, pude voltar à casa da minha sogra e almoçar com minha família.

Tinha muito mais coisas pra contar, mas o galo índio me deixou cansado, e eu vou dormir, que amanhã começa tudo de novo.

— Autor, 2024.