O ÚLTIMO VERSO ANTES DO FIM

 

     João sempre fora um homem de bem, trabalhador, desses que acreditam que basta fazer a coisa certa para que a vida siga seu curso. Mas a vida, com suas curvas inesperadas, começou a se mostrar mais traiçoeira do que ele imaginava. Uma dívida ali, outra acolá, e quando deu por si, estava envolto em uma teia inescapável de débitos e promessas quebradas. O salário, que antes parecia suficiente, transformou-se em um fio d'água num deserto, evaporando antes que pudesse saciar suas necessidades mais básicas.

     As cartas começaram a chegar, cada uma mais ameaçadora que a outra. Avisos de corte, intimações, cobranças que vinham como chicotadas em sua consciência já atormentada. A cada toque de campainha, seu coração disparava, imaginando o oficial de justiça, a intimação que faltava, o fim de uma paz que ele sequer mais conhecia.

     Os amigos começaram a se afastar. Quem, afinal, quer se aproximar do cheiro da falência? A vergonha crescia como erva daninha em sua alma, sufocando qualquer esperança. E assim, João foi se fechando, construindo um casulo de desespero em torno de si. O peso da dívida se transformou em um peso físico, como se cada centavo a mais em falta fosse um grão de areia que se acumulava em seus ombros, até que mal pudesse caminhar.

     Chegou o dia em que João, esgotado de tanto tentar e fracassar, tomou uma decisão. Era simples: bastava sair de cena. Pensou no rio mais próximo, nas águas escuras que seriam sua última morada. Imaginou o salto, a queda breve, o fim de todos os problemas. Tudo estava resolvido, ao menos em sua mente cansada.

     No caminho até o rio, algo chamou sua atenção. Um pequeno caderno de capa azul, esquecido num banco de praça. Ele hesitou, mas algo o fez parar e folhear aquelas páginas. Era um livro de poesias. Versos simples, diretos, que falavam de amor, de dor, de saudade. Palavras que tocaram uma corda esquecida em seu coração.

     João sentou-se no banco, o caderno nas mãos trêmulas. Leu um poema, depois outro. A cada verso, algo mudava dentro dele. Era como se a Poesia, com sua beleza e simplicidade, estivesse tecendo um fio de esperança em meio ao caos. Sentiu uma lágrima escorrer por seu rosto, não de tristeza, mas de alívio, de uma compreensão que ele não sabia que ainda possuía.

     Aquele caderno não salvou João das dívidas, nem trouxe de volta os amigos perdidos. Mas lhe deu algo que ele havia esquecido: a vontade de viver, de lutar mais um dia. A Poesia, em sua misteriosa forma de consolo, resgatou-o da escuridão e lhe deu forças para encarar os desafios com um novo olhar.

     João voltou para casa naquela noite, o caderno azul guardado no bolso, como um talismã. E embora os problemas não tivessem desaparecido, ele sabia que, enquanto houvesse versos para ler e escrever, haveria também uma razão para continuar.

 

Melgaço, Pará, Brasil, 18 de agosto de 2024.
Composto por Jaime Adilton Marques de Araújo
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