A Trilha Sonora das Estrelas

Como se descreve o abstrato? Por diabos, é abstrato! Descrições são edificações concretas dos sentidos da realidade. A língua portuguesa não foi desenvolvida com o propósito de explicar bolhas flutuantes de consciência a sentir na pele a dor de existir. Talvez seja útil para o cálculo, a filosofia, o jornalismo, a fofoca, mas quando a consciência abandona o guia lexical que a acompanha, desfruta brevemente de plenitude abstrata.

Quando se resguarda em si, o ser floresce. Floresce como? Não sei. Ou sei, mas não há verbo ou metáfora qualquer que descreva o desabrochar da lótus humana. A doce flor, entretanto, só se mantem aberta enquanto a energia do vazio, o eco do nada, ressoar profundo no tímpano do ser. Um som eterno de silencio, as vibrações de partículas vazias, os bósons e os férmions trocando de posição. Uma assíncrona dança de existir e desaparecer. Um fluxo constante de existências superpostas e atemporais, mesmo durando meros instantes.

Aquele que encontra em si a boa companhia resguarda em teu peito a proteção mais sagrada de toda a realidade: a própria! Se cada um é divino, o regente eterno de sua própria monada, cada um tem a proteção do Uno embaixo de sua coluna cervical, esperando o momento de ter suas defesas erguidas. Aquele que confia em si para cuidar de si não cai senão com o peso que derrubaria um exército.

Os caminhos podem ser apontados pelos passantes o tempo todo. Caminhos errados, tortos, corretíssimos, fanáticos, ascetas, esquecidos ou passados, todos são apenas direções a serem seguidas. Cada passo só pode ser dado por si mesmo, e o esforço de mover cada musculo virá somente do próprio corpo. Não há mapa que carregue-o para o destino final, apenas uma vaga descrição abstrata do ponto a ser atingido.

Não se derruba a fortaleza que se ergue na pedra sólida do silencio. Do vazio. Do nada. Aqueles que são, tem tudo a perder. O não-ser nunca perde, apenas deixa de ser, volta ao que era, e sorri contente com sua natureza de infinito potencial. Um zero resultante de infinitas equações, contendo toda a matemática do universo.

A trilha sonora das estrelas é o silêncio.

Ariel Alves
Enviado por Ariel Alves em 18/08/2024
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