O menino que não queria crescer.

 

 

Resumo: A história de Peter Pan nos mostra diversos e importantes valores, como por exemplo a amizade e a lealdade. O autor descreve muito bem a importância de brincar e de sonhar, mas também aborda temas como a descoberta da criança sobre o crescimento, as mudanças e também sobre o amadurecimento e suas responsabilidades. Peter Pan representa a criança interior que todos possuem quando crescem e que levam consigo durante a vida. A história se tornou um clássico mundial porque atinge não só ao público infantil, mas também tem muito a dizer ao público adulto.

Palavras-chave: Literatura Infantil. Sociologia. Filosofia. Psicanálise. Freud.

 

 

“Cada vez que uma criança diz "Eu não acredito em fadas" em algum lugar uma pequenina fada cai morta no chão”. (Trecho de Peter Pan)

 

 

Dentro da literatura infanto-juvenil busca-se construir a subjetividade do herói nos personagens da obra de autoria de J.M. Barrie[1], Peter Pan e Wendy. A intersecção da teoria literária com a psicanálise[2] freudiana traz muitos esclarecimentos para compreensão plena do texto.

Como romance de 1911, ao longo do tempo o protagonista sofreu inúmeras modificações. A referida obra começou como uma peça teatral de 1904 e fora transformada em romance em 1911 sendo escrito por James Matthew Barrie[3] e se tornou grande marco de sua carreira. Deu-se um célere sucesso, com a tradução de Hildegard Feist.

As aventuras dde Peter Pan[4] atravessaram gerações e o garoto que não deseja crescer e conquistou um bom lugar no imaginário popular. Todo o enredo é recheado por aventura e fantasia que agrada muito o público infantil. O que constrói esse efeito verossímil é principalmente o fato de a história partir do cotidiano de uma família comum.

Somos apresentados à doce Sra. Darling, ao preocupado Sr. Darling, e às três crianças da casa, Miguel, João e Wendy. Uma família inglesa comum, com problemas financeiros e, por isso, os três irmãos dividem o quarto e possuem uma babá fora dos padrões: a amável cachorra Naná.

Peter Pan visita à casa da família durante a noite para ouvir as histórias que Wendy conta aos seus irmãos. Em uma dessas visitas, ao atravessar a janela para fugir de Naná, Pan perde sua sombra dentro do quarto das crianças Darling. Quando volta para buscá-la enfrenta Wendy cara a cara pela primeira vez, embora a garota já o conhecesse de seus sonhos, assim como todas as crianças.

Pan propõe levar Wendy até a Terra do Nunca para que ela conte as suas histórias aos meninos perdidos. Ele ensina Wendy – e seus dois irmãos por exigência da garota – a voar e todos partem juntos para suas aventuras. É nesse ponto que a fantasia toma conta da narrativa.

O poder da imaginação é valorizado ao extremo, tanto que cada criança da obra pode criar a sua própria Terra do Nunca, esse é o lugar onde os sonhos se tornam realidade.

A Terra do Nunca é parte da visão da criança, é um lugar que pertence a elas, onde não há supervisão de adultos e as suas fantasias são reais. É possível interpretar que a criação desse mundo é o que as impede de crescer e que Peter é parte desse mundo porque ele se nega a crescer[5] e a perder as suas características infantis.

O tempo e o espaço são partes fundamentais na teoria literária e, no caso da obra analisada, eles completam um ao outro. Em Peter Pan e Wendy[6] vemos dois pontos extremamente opostos: o quarto das crianças na Inglaterra onde o tempo transcorre de forma normal, as crianças crescem, se casam e tem filhos, assim como aconteceu como Sr. e a Sra. Darling. Já na Terra do Nunca[7] o tempo torna-se submisso às crianças, os meninos perdidos  não envelhecem.

Os personagens adultos presentes na Terra do Nunca são os piratas e os índios, mas eles não impõem limites às crianças. Estão lá porque também fazem parte da aventura. Considerando que a obra foi escrita em 1904, o índio pode representar o oposto da civilização e os piratas são uma contravenção, socialmente nenhum deles seria considerado capaz de cuidar de uma criança, de ser responsável.

E, por serem considerados irresponsáveis, assemelham-se às crianças e a Peter Pan, já que o conceito de responsabilidade não se aplica à Terra do Nunca, afinal, não existem leis que façam com que qualquer um desses personagens prestem contas a uma sociedade.

Podemos constatar então que o enredo gira em torno do Peter Pan, afinal, a representação da subjetividade do personagem é simultaneamente construído ao tempo e ao espaço.

O narrador é heterodiegético, aquele que conta os acontecimentos na terceira pessoa, e também é intruso. Dessa forma sua onipresença contribui com o controle do tempo na obra.  Ele conversa com o leitor, criando a sensação de que também somos parte da história, apesar de não termos controle nenhum sobre ela.

Conclui-se, portanto que, para as crianças, o notável bom humor com o qual a história é contada cria a sensação de que o narrador é seu amigo por causa da aproximação que é criada com o público, o que ameniza a nossa impotência.

O romance concentra-se nas aventuras das crianças e é perceptível a agilidade com que o narrador passa de uma cena de ação para a outra, sem perder a chance de fazer reflexões internas.

Por exemplo, Peter Pan protagoniza inúmeras lutas e aventuras ao longo da narrativa, mas mesmo assim também somos testemunhas das digressões de Wendy. Esses dois personagens envolvem-se e mostram o quanto a narração é interligada a eles.

 A história de Barrie traz uma criança como protagonista. Mais do que isso, Peter sente orgulho de ser criança e despreza os adultos. Se pensarmos no cotidiano, reconheceremos que tradicionalmente os adultos, em alguns momentos, menosprezam a inteligência das crianças, afinal, elas ainda não se desenvolveram completamente.

O Sr. Darling era um dos adultos que julgava a criança um ser de capacidade inferior, por isso seus filhos se sentem tão realizados, no primeiro momento, na Terra do

Nunca. Lá existe a liberdade de imaginar e sentir. Lá eles são valorizados. Por isso, podemos dizer que na obra de Barrie,  a criança é retratada de maneira muito real e levada a sério, pois cada uma possui sua personalidade. 

Observamos que Peter Pan não esconde seus pensamentos destrutivos, ele é extremamente ciumento em relação a Wendy, e embora seja respeitado como chefe dos meninos perdidos, não é um líder muito preocupado com o bem estar dos garotos. Vemos que Peter quer punir Beicinho, um menino perdido que foi enganado por Sininho[8] e atirou uma flecha na direção de Wendy, com a pena de morte.

Peter é um personagem de extremos; no trecho, foi Wendy quem segurou sua mão para proteger Beicinho. A garota, por ter sido criada no mundo que é supostamente civilizado, onde as leias existem e devem ser seguidas, é contra atos violentos, já Peter instintivamente acredita na morte como punição.

Mesmo seguindo seu instinto infantil, ele tem sua honra e não trai o seu código de conduta porque, para ele, traição é para os adultos. O maior problema com Peter é que ele confunde o mundo externo e a imaginação, uma vez que para ele não existe essa distinção. Real para ele é tudo o que soa verdadeiro, isto é, se ele acredita em algo, isso se torna realidade. Ele, como uma criança, lida com o imaginário com naturalidade enquanto os adultos são cegados pelo racionalismo científico.

 Quando sininho salva a vida de Peter Pan sacrificando-se. Capitão Gancho[9] envenena a água que Wendy e Peter fingiam ser remédio dentro da casa do garoto, que não acredita quando a fada tenta alertá-lo; por fim, ela bebe o veneno em seu lugar e a luz dela se apaga. dois pontos principais na personalidade de Peter Pan: a força da crença no maravilhoso e a falta de memória Pan não tem apenas um corpo jovem, mas uma mente também. O fato de não ter lembranças concretas do seu passado faz com que o presente sempre soe inédito.

Ao decorrer desse trabalho, voltaremos a discutir a figura da morte na obra, mas primeiramente, notemos que Peter Pan esquece a maior parte de suas aventuras, como se percebe no seguinte fragmento: “Wendy não via a hora de estar com Peter para conversarem sobre os velhos tempos, mas logo constatou que as novas aventuras haviam expulsado as antigas da memória dele” (Barrie, 1999).

Enquanto Peter não se lembrar do que acontece ele não adquire experiências, não amadurece[10]. Essa falta de memória o ajuda a não crescer, porque assim ele

cria a sensação de que vê tudo pela primeira vez.

No final da obra, os meninos perdidos são adotados pela família Darling. Todos aceitam que tem de crescer para poder ter uma família e serem aceitos pela sociedade Inglesa. 

Peter é o único que permanece fiel à Terra do Nunca e, com o passar o tempo, os meninos que antes agiam como Peter tornam-se adultos civilizados e perdem a capacidade de voar. Aceitar essa perda da memória infantil, o que antes era a única memória[11] que possuíam, essa escolha pela aceitação e a preparação do bloco para as memórias novas é o que influencia a posterioridade da vida deles.

Os contos de fadas ajudam no amadurecimento das crianças, por meio de uma linguagem que elas conhecem. Podemos dizer que é com essas histórias que elas começam a distinguir o bem e o mal. Em Peter Pan e Wendy, no entanto, essas ideais se confundem.

No texto de Maria Lucia Fernandes Guelfi (1996) é possível entender que através dessas histórias fantásticas, as crianças associam que podem, assim como as princesas e os príncipes, superar as dificuldades e encontrar a auto realização. Quando escutam histórias sobre heróis ou heroínas que vencem os obstáculos da vida e realizam seus sonhos, muitas crianças entendem que tudo vai acabar bem se elas continuarem sendo corajosas como os personagens da história. 

Coragem é algo que Peter Pan preza muito, mas apesar da identificação que ele gera para os leitores mirins, Pan não é o modelo ideal a ser seguido. Logo após o trecho da obra de

Barrie citado anteriormente no primeiro tópico do segundo capítulo, onde João e Peter Pan conversam sobre matar piratas e Pan mostra que possui um código de conduta quando se nega a matar o inimigo enquanto ele dorme, João pergunta “Nossa! Você mata muito pirata?” e Peter simplesmente responde “Um monte!”, o que significa que o personagem não possui os conceitos de respeito pela vida alheia. Podemos comprovar isso em vários momentos da obra, veremos a seguir mais um exemplo.

Voltando a Freud, foi criada uma distinção entre o consciente e o inconsciente, propondo os conceitos de Id, ego e Superego. Em poucas palavras, o Id são os instintos humanos naturais, que buscam o prazer enquanto o Superego é a moralidade imposta pelas leis dos homens e o ego é o mediador entre eles. Nosso superego é moldado a partir do momento em que nascemos, quando aprendemos a viver sob as leis da sociedade.

Entre essas leis, sabemos que há uma punição por matar outra pessoa, sabemos distinguir que isso é um ato moralmente errado porque isso nos foi dito. Nosso instinto, portanto, é contido pelo social.

Já Pan não tem essa capacidade de distinguir, pois não foi criado em uma sociedade e, por isso, não havia em quem ele se espelhasse. Ele apenas possui os seus instintos naturais, em conformidade com o que se afirma no trecho de “O mal estar da civilização”[12](1969): “Uma criança recém-nascida ainda não distingue o seu ego do mundo externo como fonte de sensações que fluem sobre ela. Aprende gradativamente a fazê-lo, reagindo a diversos estímulos” (FREUD, 1969)

Pensemos que Peter é uma criança, isto é, ele representa o começo da vida, o momento em que não se imagina a velhice e o corpo é naturalmente mais saudável, além de ter todo o tempo do mundo. Crescer seria o final de sua concepção de imortalidade. Anteriormente, no segundo capítulo desse trabalho, citamos que as maiores características do personagem eram a falta de memória e a força da sua crença.

No texto “O mal estar da civilização”, Freud trata também da credulidade no ser humano. “Trata-se de um sentimento que ele gostaria de designar como uma sensação de ‘eternidade’, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras, oceânico” (Freud, 1969).

Essa sensação oceânica, de infinitude causa uma sensação de que a morte não é algo que represente um fim. No texto de Freud, isso é tratado acerca das religiões e embora Peter Pan não possua Deuses idealizados, podemos interpretar que a magia é a sua religião. Sua crença na Terra do Nunca é o que dá a sensação de infinitude aos seus poderes, que fazem com ele tenha essa sensação oceânica citada por Freud, a sensação da imortalidade.

Peter Pan salva a donzela em perigo mais de uma vez. Vemos o personagem interferir a favor de Wendy e da princesa indígena Tiger Lily durante a história, o que se configura como uma característica heroica. Mas, ele não faz isso pelos motivos esperados, como por algum tipo de afeto em relação às personagens femininas, e sim pela emoção da aventura. Mesmo que Wendy represente a mãe e o amor juvenil de Pan, no final ela encontra a felicidade em outro lugar: sua própria casa.

 Por sua vez, Peter não lida bem com a rejeição, mesmo que por fim se renda e deixe Wendy partir: “A senhora nunca mais vai ver a Wendy, porque a janela está trancada” (Barrie, 1999). Isso é o que Peter diz inicialmente, antes de ser comovido pelas lágrimas da Sra. Darling e abrir a janela para que os três irmãos possam enfim retornar em segurança para a casa. 

Obviamente, piratas não são um bom modelo a ser seguido também. Capitão Gancho é famoso por suas crueldades e o narrador ainda cria uma intertextualidade com a história da Inglaterra, confidenciando ao leitor que havia um boato entre os piratas de que Gancho fora o único homem a assustar o famoso pirata Barba Negra[13], um ladrão inglês que de fato existiu no século XVIII.

Ou seja, vemos que Gancho[14] nem sempre viveu na Terra do Nunca e que possui a capacidade de reter lembranças de seu passado. Mas, surpreendentemente, apesar de ser um pirata, Capitão Gancho[15] ainda preserva os bons modos dignos de um britânico. No final da obra, vemos Peter vencer Gancho, mas isso não impede que o capitão tenha a sua última alegria.

Capitão Gancho pode não ter superado o obstáculo de Peter Pan, mas no final conseguiu o que tanto queria: mostrar que Peter era inferior porque não possuía a boa educação, um passado, ou um superego que o torna capaz de viver em sociedade.

O próprio narrador refere-se ao pirata como uma figura heroica e, se considerarmos a ideia de conquistar um objetivo, o Capitão está à frente porque Peter nunca tem objetivos concretos, apenas quer partir para novas aventuras. Citando Guelfi novamente, vemos que para a criança um herói é aquele indivíduo que representa um modelo para a criança, aquele que ajuda a moldar o seu ego e controlar seu id e seu superego.

O herói exerce importante papel, como modelo, na construção de um ego forte. O pai, os irmãos mais velhos, os colegas maiores de sala, os tios e professores também podem exercer esse papel. Neles a criança projeta suas fantasias. Projeções produzidas pelo inconsciente (...). As histórias de herói constituem uma necessidade vital em condições difíceis da vida. Ele dá as razões de se viver e ao mesmo tempo restaura a coragem. (Guelfi, 1996)

Quando apresentado, frequentando os sonhos de Wendy, temos a impressão de Peter Pan ser o herói, a personificação da perfeição que Wendy iria amar, mas é quando Gancho se despede da obra, ao ser consumido pelo tempo representado na forma de um predador, crocodilo, é que o narrador se refere a atos heroicos. Velhice porque uma vez que o crocodilo o alcançasse seria inútil fugir, pois quando se é adulto, não há como fugir do tempo, não há mais a ideia de imortalidade[16].

O narrador se refere a heroísmo não pelo fato de o personagem ter tido algum tipo de redenção sobre suas maldades, mas por ter conquistado o objetivo de ficar psicologicamente acima de Peter Pan, isto é, de ser o homem civilizado, o que é moralmente melhor que uma criança.

Gancho atinge seu objetivo e mostra-se corajoso, duas características presentes na descrição de Guelfi para o que um herói representa para a criança. Contudo, Peter é quem representa o universo infantil e não podemos negar que também há pontos heroicos em suas ações, como sua coragem.

A mãe é retratada como a figura amorosa, sempre capaz de perdoar seus filhos. A Sra. Darling é a representação da mãe idealizada de Barrie: “Até Wendy chegar, sua mãe era a pessoa mais importante dali. Uma mulher encantadora, com uma cabeça romântica e uma boca delicada e zombeteira” .

Wendy vai para a Terra do Nunca com a ideia de se tornar a mãe dos meninos perdidos e apesar de Peter exercer, de certa forma, o papel de marido e pai perante os meninos, compreendemos que Wendy também é sua mãe. A diversão da garota é ser a dama idealizada. Assim, podemos associá-la com o perfil da mulher idealizada no período do romantismo, apesar da obra não pertencer a essa escola literária.

Enquanto os meninos sonham em combater piratas, ela sonha em se tornar boa mãe e boa dona de casa.  As mulheres da família Darling representam o ideal feminino tradicional da cultura da época em que o romance foi escrito, o início do século XX: a mulher doce e encantadora que vive para cuidar do lar, do marido e dos filhos, colocando-os cima de suas próprias necessidades. No livro de ensaios “Fragatas para Terras Distantes[17]” (2004),

Essa gentileza de Barrie com as personagens femininas é perigosa, pois chega a ser irônica. Na sociedade da época, como vimos nos trecho, as mulheres eram submissas, dependentes, mas ao decorrer do livro, vemos que quem é dependente são os homens, mesmo que representados através dos meninos imaturos, afinal, eles não conseguem viver sem suas mães. Por isso os meninos perdidos escolhem o crescimento. No final do livro, as crianças voltam para casa e todos os meninos perdidos são adotados pela Sra. Darling.

Vemos que apesar de Peter Pan ser a representação da fantasia e das aventuras, ele é privado da alegria de ser parte de uma família. Se ele aceitasse ter uma mãe fora da Terra do Nunca, isso significaria que um dia ele teria de crescer e, como já mencionamos, tornar-se adulto era algo que ele desprezava.  Enquanto Peter permanecer fiel ao seu voto de nunca crescer, ele poderá ir e vir da Terra do Nunca sem que isso afete sua maturidade.

Podemos observar como o personagem age sob os outros elementos da narrativa.  Primeiramente, o tempo e espaço da obra. Vimos que o espaço se divide em dois: Inglaterra e Terra do nunca, e que o tempo passa de forma diferente nesses dois lugares.

O primeiro é o representante do mundo externo, que ajuda a dar verossimilhança para a história e o segundo é o imaginário, o lugar onde a maior parte do enredo se desenrola e onde os personagens possuem mais influência, pois conseguem transformar um tempo cronológico em psicológico. As crianças são submissas na Inglaterra, enquanto na Terra do Nunca são completamente livres.

Ao compararmos o nosso protagonista Peter Pan com os outros personagens masculinos da obra, vemos que ele é o oposto de seus antagonistas. Ser Darling e Capitão Gancho[18] representam a descrença, enquanto Peter Pan é a essência da imaginação, termo esse que é a fonte de todos os segredos da obra, uma vez que é a imaginação que pode controlar a vida e a morte, como vimos na passagem onde a fada Sininho é envenenada e fica à mercê da crença das crianças. Esse poder de crença também é o que dá a noção de imortalidade ao personagem ou, como diz Freud, a sensação oceânica.

Mas o maior segredo de todos é a eterna juventude de Peter Pan, e a fonte disso é o fato de que, além de um corpo jovem, ele também possui uma mente sem lembranças e, portanto, não adquire experiências.

Para Freud, nossa memória funciona como o brinquedo chamado bloco mágico[19], dividida entre a superfície e o inconsciente, elementos representados através da metáfora da folha e da prancha de resina. Peter Pan mantém sempre seu bloco em branco, para que ele possa se aventurar em novos acontecimentos a cada momento.

O personagem Peter Pan pode ser julgado como a personificação do id, descrito por Freud como os instintos puros do ser humano que apenas buscam prazer. Também vimos que um herói foi definido por Guelfi como aquele em que as crianças se espelham, aqueles que a ajudam a moldar o seu ego.

Podemos concluir que o pirata Capitão Gancho é mais heroico que Peter Pan, pois apesar de ser um habitante na Terra do Nunca, ele foi criado na Inglaterra, foi moldado pela sociedade antes de partir e possui as memórias daquela época.

Além disso, observamos que ele se entrega à morte após concluir o seu grande objetivo que era ficar moralmente acima do garoto Pan, de ser homem enquanto o garoto é criança.

Contudo, no final da história essa definição heroica é redefinida, pois uma consequência de ter sido corrompido pela Terra do Nunca e abandonado à sociedade é que Capitão Gancho morre sozinho e sem o afeto de nenhuma personagem da obra.

Apesar da obra ser intitulada "Peter Pan", Wendy é, em verdade, a grande heroína, por sua inteligência e doçura e, por convencer Peter que era necessário crescer e que os meninos perdidos também. Ao final da aventura, Wendy levou todos consigo para Londres, onde foram adotados pela Família Darling, os pais de Wendy. Apesar de ser convidado, Peter não permanece com eles e, voa indo embora.

 

Referências

 

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COLASANTI, Marina. Fragatas para Terras Distantes.  Rio de Janeiro: Record, 2004.

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CORSO, Diana L.,CORSO, Mario. Fadas no divã: A psicanálise nas histórias infantis. São Paulo: Artmed, 2006.

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FERNANDEZ, Bruna Cagnin. Entre Fadas e Piratas: A psicanálise do herói em Peter Pan e Wendy. Bebedouro: Unifafibe, 2014.

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GUELFI, Maria Lúcia Fernandes. Literatura Infantil – Fantasia que constrói realidades. Educação e filosofia, jul/dez, p131-154,1996. 

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MENESES, Adélia Bezerra de. Do poder da palavra: ensaios de literatura e psicanálise. São Paulo: Duas Cidades,1995.

 

 


[1] Sir James Matthew Barrie, 1º baronete, OM (Kirriemuir, Escócia, 9 de maio de 1860 — Londres, Inglaterra, 19 de junho de 1937), muitas vezes referido como J. M. Barrie, foi um escritor e dramaturgo britânico nascido na Escócia. Nascido no pequeno condado escocês de Angus, Barrie frequentou a Glasgow Academy e a University of Edinburgh, até se mudar para Londres em 1885, para seguir carreira de dramaturgo e escritor. Escreveu diversas peças teatrais e livros durante quase toda a vida, em sua maioria voltada para o público adulto, inclusive a peça, ao contrário do como é referido comumente, The Boy Who Wouldn't Grow Up (O Menino Que Nunca Quis Crescer, em português), de 1904, que deu origem ao famoso personagem Peter Pan, sua mais célebre e famosa criação, um menino criado pelas fadas que conseguia voar e vivia em uma terra mágica chamada Neverland (ou Terra do Nunca, como é conhecido nos países lusófonos), onde não envelhecia jamais. Porém, só em 1911 o romance Peter and Wendy ou simplesmente Peter Pan, foi publicado em livro, narrando a clássica história dos irmãos Darling, Wendy, João e Miguel (Wendy, John e Michael, em inglês) que acompanham Peter Pan em uma jornada pela Terra do Nunca, onde enfrentam piratas, liderados pelo Capitão Gancho. Antes disso Barrie escreveu os romances Little White Bird (1902) e Peter Pan in Kensington Gardens (1906), ambos inspirados no personagem, narrando suas aventuras no Jardins de Kensington, em Londres. No ano de 1896, Barrie produziu dois trabalhos importantes: Margaret Ogilvy, a biografia de sua mãe, e Sentimental Tommy, um romance que, assim como o seguinte, Tommy and Grizel (1900), antecipou o seu mais famoso personagem, Peter Pan. O menino que não queria crescer apareceu também em alguns capítulos do romance The Little White Bird (1902). Já a peça Peter Pan, or The Boy Who Would Not Grow Up estreou em Londres em 27 de dezembro de 1904 e foi um sucesso imediato. Barrie posteriormente publicou o trecho de Little White Bird dedicado a Peter Pan em um volume intitulado Peter Pan em Kensington Gardens, em 1906, e depois transformou aquela peça num romance, Peter and Wendy, em 1911. Seus últimos trabalhos incluem as peças Dear Brutus (1917), Mary Rose (1920) e The Boy David (1936). J. M. Barrie, contemporâneo e amigo de Arthur Conan Doyle e H. G. Wells, morreu em decorrência de uma pneumonia em 1937.

[2] De acordo com a psicoterapeuta analítica alemã Marie-Louise Von Franz, Peter Pan se aproxima do arquétipo que Carl Jung denominou de Puer Aeternus, ou seja, a eterna criança. Puer Aeternus também é o nome de um Deus da antiguidade. Ele era o Deus-criança nos mistérios eleusinianos, chamado Iaco. Posteriormente, foi identificado com Dionísio e com o Deus Eros. Esse é um Deus da vida, da morte e da ressurreição – o da juventude divina.

[3] Segundo uma das biografias do Sir J.M> Barrie garante que o personagem de Peter Pan fora inspirado no irmão mais velho do autor era chamado de David Barrie, ele morreu dias antes de seu aniversário de quatorze anos enquanto  brincava de deslizar no gelo. Para ele e sua mão, o irmão fora a primeira criança que nunca cresceu.

 

[4] A história trata de um pequeno rapaz, chamado Peter Pan, que se recusa a crescer e que vive em busca de aventuras mágicas. Ele é representado como um menino adorável vestido de folhas e coberto de seiva das árvores, que toca flauta e ainda tem dentes de leite. Em termos individuais, Peter Pan indica certo tipo de homem que se comporta a vida toda como adolescente, com atitudes que seriam absolutamente normais para os jovens, mas que não condizem mais com a vida adulta.

[5] O tema central de Peter Pan gira em torno da descoberta infantil de que não será criança para sempre e a angústia e o medo gerados por esse entendimento. O ego, na psicologia analítica, é o que nos dá a noção do “eu”, daquilo que somos, desejamos e sentimos. E ele possui uma base somática, ou seja, possui um aspecto de identificação com o corpo. Por essa razão, quando nos damos conta de que somos um sujeito, passamos a ter o sentido de finitude, e isso é bastante assustador.

[6] A menina Wendy e seus dois irmãos, que moram em Londres, recebem a visita de Pan todas as noites. A princípio ele aparece em sonhos para as crianças. Contudo, a mãe dos pequenos – que já conhece Peter de sua própria infância – percebe algo de errado e passa a dormir com os filhos. No livro não é mencionada a idade de Wendy, mas pela narrativa nota-se que a menina está saindo da fase infantil e entrando na puberdade. Pois ela começa a se interessar por Peter com desejo amoroso e lhe pede um beijo, o que sinaliza que está entrando na fase do encontro com o outro. Além disso, Wendy também começa a desejar ser mãe e formar sua família. E é aí que reside a força do conflito e da angústia da criança.

 

[7] É a morada de Peter Pan, Sininho, e os Garotos Perdidos entre outros. Seu mais conhecido residente recusou-se a crescer, sendo a Terra do Nunca muitas vezes usada como uma metáfora para o comportamento eternamente infantil, a imortalidade e o escapismo. A Terra do Nunca (País de Nunca Jamais na versão/tradução mais antigas) é uma ilha fictícia do livro Peter Pan, do escritor escocês J. M. Barrie. É a morada de Peter Pan, Sininho, e os Garotos Perdidos entre outros. Seu mais conhecido residente recusou-se a crescer, sendo a Terra do Nunca muitas vezes usada como uma metáfora para o comportamento eternamente infantil, a imortalidade e o escapismo. Foi introduzido pela primeira vez como o "Never Never Land" em peça de teatro Peter Pan, or The Boy Who Wouldn't Grow Up, encenada pela primeira vez em 1904. Na romantização de 1911 Peter and Wendy, Barrie refere-se a "Neverland", e as suas muitas variações "The Neverlands"

[8] A fada mais famosa dos contos não tinha forma. Barrie descrevia Sininho como um espírito de luz, sem forma e sem face. A mudança para uma criatura humanizada se deu a pedido de Walt Disney para a versão animada lançada em 1953.  Sininho é descrita como uma fada comum, que é pequena, fina, tamanho de uma mão, e de pele clara. Ela é mal-humorada e de temperamento quente (com o corpo ficando vermelho de fogo quando irritada), mas também muito bonita. Ela tem olhos azuis, cabelos loiros presos em um bob, e orelhas pontudas.

 

[9]  Capitão Gancho representa aspectos sombrios de Peter O vilão também não tem mãe e, assim como o menino, deseja uma. Ele persegue a juventude de Pan, pois é o seu oposto: velho, ranzinza e desesperado pelo poder. Por isso tenta impedir a renovação. Assim como Cronos, na Mitologia Grega, o Capitão Gancho tenta impedir o crescimento de uma nova vida, pois a criança também simboliza isso.

[10] Wendy é levada à Terra do Nunca e lá passa a morar em uma casa subterrânea, dentro da terra (que representa a mãe de forma simbólica), na qual passa a cozinhar, costurar, limpar e arrumar. Ela e os meninos também moram dentro de árvores, que na psicologia analítica simboliza a vida humana, o desenvolvimento e o processo interior de formação da consciência no ser humano. A psicoterapeuta Von Franz aponta que quando o ser humano é suspenso em uma árvore é porque costuma se evadir, tentando se libertar e agir livre e conscientemente, e por isso ele é dolorosamente arrastado de volta ao seu processo interior. Como o Puer Aeternus, muitos jovens, em determinado momento de suas vidas, têm que resolver seu complexo materno e perceber que o curso da vida não permite a permanência eterna nesse estado; ele tem que morrer.

[11] Freud (1896/1996), desde os  primórdios de seus trabalhos na formulação da psicanálise evidencia a  multimodalidade da memória. Para Freud (1895/1996), toda teoria psicológica  digna de consideração terá que fornece uma explicação para a memória. Na  construção da teoria psicanalítica, Freud sempre esteve preocupado em indagar  e problematizar questões referentes ao âmbito social e cultural, motivo ao qual  sua concepção de memória não fugiria a regra. A razão pela qual entendemos a  construção freudiana de aparelho psíquico como uma teoria de memória e, por  assim dizer, teoria do campo da memória social decorre da matriz conceitual que  evidencia como um dos indícios do processo de constituição psíquica a questão  do esquecimento e da lembrança, o que somente ocorre na relação interpessoal.

[12] Freud afirma que a civilização se encontra a serviço da pulsão de vida, mas marcada por atravessamentos da pulsão de morte. A civilização expressaria, portanto, uma repetição do conflito psíquico entre pulsão de vida e pulsão de morte, exigências imperativas de satisfação que a cultura viria tentar regular. O mal-estar na civilização é uma busca pela fonte da infelicidade humana, do antagonismo entre instintos e cultura e de como a sociedade reprime o indivíduo. Freud argumenta que a civilização pretende proteger os seus integrantes ante o sofrimento.

[13] Edward Teach (c. 1680 – Ocracoke, 22 de novembro de 1718), mais conhecido como Barba-Negra (em inglês: Blackbeard), foi um pirata inglês que navegava nas águas do Caribe e na costa leste das colônias da América. Embora pouco se saiba sobre sua infância, provavelmente nasceu em Bristol, na Inglaterra. Pode ter sido um marinheiro em navios corsários durante a Guerra da Rainha Ana, antes de se estabelecer na ilha caribenha de Nova Providência, local onde Teach reuniu uma tripulação por volta de 1716.

O capitão Benjamin Hornigold colocou-o no comando de uma chalupa que havia sido capturada, e os dois se envolveram em numerosos atos de pirataria. Os atos de pirataria foram impulsionados pela adição de mais dois navios à frota deles, um dos quais era comandado por Stede Bonnet, mas até o final de 1717 Hornigold desistiu da pirataria possuindo dois navios. Teach tomou posse de um navio mercante francês, dando-lhe o nome de Queen Anne's Revenge e equipou-o com quarenta canhões. Iniciou uma fama de pirata, seu apelido derivado da grossa barba de cor preta e sua terrível aparência; possuía o hábito de pôr pavios de fogo acesos em seu cabelo para assustar os inimigos durante as batalhas. Formou uma aliança de piratas e bloqueou o porto de Charleston. Após uma extorsão aos habitantes, encalhou o Queen Anne's Revenge em um banco de areia perto de Beaufort. Ele zarpou em companhia de Bonnet, estabelecendo-se na cidade de Bath, onde recebeu o perdão da Coroa Britânica. Contudo, logo voltou ao mar e atraiu a atenção do governador da Virgínia Alexander Spotswood. Spotswood organizou um grupo de soldados e marinheiros para tentar capturar o pirata, o que fizeram em 22 de novembro de 1718. Durante uma feroz batalha, Teach e vários membros de sua tripulação foram mortos por uma pequena força de marinheiros liderados pelo tenente Robert Maynard. Um líder astuto e calculista, Teach desprezou o uso da força, utilizando apenas a sua temível imagem para obter a resposta desejada. Ao contrário dos dias modernos, a figura tradicional do pirata tirânico comandou seus navios com a permissão das tripulações, e não há o conhecimento de informações que o mostrassem ter prejudicado ou assassinado prisioneiros. Após a morte, foi romantizado e se tornou inspiração para vários piratas em obras de ficção numa variedade de gêneros.

[14] Na primeira versão da história, o Capitão Gancho não existia e Peter Pan era retratado como um garoto que raptava crianças por não ter com quem brincar. E, tempos depois, Barrie mudou o roteiro, por achar que ficou sombrio demais. Há uma teoria não confirmada pelo escritor que os piratas seria, em verdade, as crianças sobreviventes.

[15] Confirmado pelo autor, o temido vilão de Peter Pan foi inspirado no Capitão Ahab de “Moby Dick – A Baleia Branca”. Além disso, Gancho teria sido aprendiz do temido e lendário Barba Negra, e a única pessoa que o Capitão Long John Silver (personagem da obra "A Ilha do Tesouro" de Robert L. Stevenson temia de verdade.

 

[16] Em 1935, Walt Disney manifestou interesse em fazer uma adaptação de Peter Pan como seu segundo filme após Branca de Neve e os Sete Anões.[8] No entanto, os direitos dos filmes de ação ao vivo foram detidos pela Paramount Pictures. O proprietário dos direitos autorais, o Hospital for Sick Children, em Londres, ofereceu, sem sucesso, que a Disney fizesse um acordo com a Paramount. No entanto, em janeiro de 1939, a Disney obteve os direitos de animação da peça superando o Fleischer Studios, que também desenvolvia filmes de animação. No início de 1939, um rolo de história havia sido concluído, e em maio seguinte, a Disney tinha vários animadores em mente para os personagens. Vladimir Tytla foi considerado pelos piratas, Norman Ferguson pelo cachorro, Nana (que também animava Pluto) e Fred Moore por Tinker Bel.

[17] Fragatas para Terras Distantes" é uma excelente coletânea de 17 ensaios elaborados pela escritora Marina Colasanti. Nessa obra, em tom de conversa íntima, profunda e inteligente, a autora assume ora o papel de leitora, ora de estudiosa da literatura. Retoma, ainda, momentos de sua rica e conturbada infância e suas vivências de escritora. Explorando esses diversos pontos de vista, Colasanti trata de uma ampla gama de assuntos. Fala da riqueza dos contos de fadas e das histórias de Collodi (a autora é uma grande tradutora de "Pinóquio"), de sua difícil convivência com a guerra e de sua aversão ao rótulo de escritora de literatura feminina.

[18] O nome do Capitão Gancho, da história de contos de fada “Peter Pan”, é James Hook. Gancho perdeu uma de suas mãos em um duelo com Peter Pan, com ela tendo sido comida por um crocodilo que agora segue sempre o navio do Capitão Gancho, pois quer comer o resto. Um frase dele: “Porque não somos mais alegres, inocentes e desalmados. Só quem é alegre, inocente e desalmado consegue voar.”

 

[19] O bloco mágico é descrito por Freud como sendo formado por uma prancha de cera escura por cima da qual se sobrepõe um papel encerado e uma lâmina de celulóide. Seu mecanismo funciona a partir pela pressão de um instrumento pontiagudo sobre sua superfície. Na primeira tópica de Freud, o aparelho psíquico é composto por três sistemas: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. A percepção freudiana do aparelho psíquico tem como seu pressuposto central a crença no papel organizador da memória, sendo esta vista como uma série de sistemas, dotados de propriedades distintas, signos perceptuais,  inconscientes e pré-conscientes (Gabbi Junior, 1993). No percurso freudiano de construção da teoria, sem dúvida é importante destacar que a memória é uma dimensão essencial do escopo psicanalítico.

 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 17/08/2024
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