A tragédia de Joões

 

 

A tragédia de três Joões...(Pessoa, Suassuna e Dantas) nos envolve numa narrativa rica e num teor trágico.
O plural de João é Joões. Etimologicamente, deveria ser Joães, porque a forma antiga era Joane, com origem remota no hebreu Iohanan, pelo grego Joánes ou Joánnes e depois pelo latim Jo (h)anne, de Jo (h)annes.

 

Notório fato político da Paraíba no século XX, considerado importante na história do Brasil foi a morte de João Pessoa, o então Presidente da Paraíba que completará noventa e quatro anos no próximo dia 26 de julho. O assassinato eternizou o nome do político e impôs um luto na bandeira do Estado e ainda mudou os rumos políticos do país, decretando o término da República Velha e catapultando Getúlio Vargas ao poder.

 

Questiona-se até hoje se foi um crime passional ou homicídio por interesses políticos? O professor e doutor em História da UFPE José Luciano de Queiroz Aires afirma que foi um misto das duas versões totalizantes. O professor e escritor afirma que sem a morte de João Pessoa, e o tratamento político que foi dado a ela, com a peregrinação do corpo do presidente da Paraíba por todas as capitais antes de ser enterrado no Rio de Janeiro, quase como uma santificação do político, Getúlio Vargas dificilmente teria ascendido à Presidência da República por meio de uma tomada de poder através do que ficou conhecido como Revolução de 1930.

 

A morte de João Pessoa, que na época tinha perdido as eleições presidenciais em março de 1930 enquanto vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas para Júlio Prestes, ajudou Getúlio a alimentar uma consternação popular que, somada à acusação de eleições fraudulentas e ao momento de crise financeira em consequência da crise de 1929, desencadearia o episódio histórico que ficou conhecido como Revolução de 1930.

 

João Dantas, um advogado e militante político, apoiava Suassuna e era opositor a João Pessoa - oposição que se intensificou com a Revolução de Princesa. No dia 26 de julho de 1930, na Confeitaria Glória, no Centro de Recife, João Dantas matou João Pessoa à queima-roupa.

 

A data foi aquela em que João Pessoa foi assassinado. Naquela época, a Rua Nova não enfrentava a decadência de hoje. E –  juntamente com a Imperatriz – eram as mais sofisticadas do centro do Recife. Na Nova, reuniam-se jornalistas, políticos, damas da sociedade, no final de tarde.

 

Ana Maria revive aquela época. “Percebo a agonia de Augusto Caldas (preso injustamente com o cunhado João Dantas) na Casa de Detenção. Sinto o vento que dança nos cabelos de Ritinha (Rita de Cássia Dantas Villar, mãe do escritor Ariano Suassuna), no Porto do Recife, se despedindo de João Suassuna (que foi à capital, Rio de Janeiro, provar sua inocência, e lá foi morto)”, conta . “Ouço o martelar da máquina de escrever de João Dantas em Olinda, escrevendo mais um artigo contra João Pessoa. Acompanho a trajetória de desespero de Anayde Beiriz até o momento final. E então escrevo. Porque o que sou mesmo é escritora”, acrescenta.

 

Para os que não lembram Anayde era amante de João Dantas. Professora, era e tida como uma mulher de muita coragem e à frente do seu tempo, na forma de pensar, de vestir e de agir. O caso dela com João Dantas teria servido como estopim para a Revolução, porque o namorado matara Pessoa  também para vingar a humilhação de ter sua intimidade exposta.

 

É que no dia 10 de julho de 1930, a polícia paraibana invadira o apartamento de João Dantas, de onde documentos e até diário foram retirados. Parte chegou a ser divulgada no jornal A União, enquanto outra circulava de mão em mão, no salões do Palácio do Governo. Dezesseis dias depois, João Dantas assassina Pessoa, no Recife. Na Paraíba, multidão começa a depredar residências e casas comerciais pertencentes a perrepistas. E em 4 de outubro, revolucionários tomam quartel. 

 

A revolta destituiu o presidente Washington Luís, a quem João Pessoa se posicionou como oposição política enquanto vivo, impediu a posse de Júlio Prestes e determinou Getúlio Vargas como chefe do governo provisório que comandaria o Brasil. “Podemos afirmar que a morte de João Pessoa, com todo contexto político, econômico e social que existia, foi um dos motivos da Revolução de 1930 e consequentemente do fim do período que chamamos de República Velha”, analisou Aires.

 

Entre julho e outubro daquele 1930, à medida em que o corpo de João Pessoa peregrinava entre as principais capitais do Brasil para receber homenagens por conta da morte pretensamente política, seu nome ia batizando ruas, avenidas e praças pelo país, conta o historiador.

 

O ritual criado em torno das solenidades fúnebres para João Pessoa criou um mito, sendo idealizado pelo empresário e comunicador paraibano Assis Chateaubriand, entusiasta da Aliança Liberal, grupo político que o governador da Paraíba fazia parte, na análise de José Luciano de Queiroz Aires.

 

João Suassuna foi assassinado com um tiro pelas costas no Rio de Janeiro em 9 de outubro de 1930 por Miguel Alves de Souza. O crime nunca foi totalmente explicado, mas se acredita que tenha sido encomendado como retaliação ao recente assassinato de João Pessoa, seu adversário político. Ariano Suassuna inspirou-se na vida de seu pai para escrever o livro O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.

 

No começo dos anos 1920, após ter assumido alguns cargos no governo local, Suassuna foi eleito deputado federal. Ainda estava no mandato quando foi eleito presidente da Paraíba, logo antes de João Pessoa.

 

Enquanto Suassuna era defensor da cultura agrícola do Sertão, João Pessoa era um defensor da modernização. Seu filho Ariano escreveu sobre a oposição entre os dois João Duarte Dantas (Mamanguape, 12 de junho de 1888 — Recife, 6 de outubro de 1930) foi um advogado e jornalista brasileiro.

 

 O teor da carta de João Suassuna dirigida à esposa que está no livro UMA ESTIRPE SERTANEJA – GENEALOGIA DA FAMÍLIA SUASSUNA, nas páginas 219 a 225, de autoria de Raimundo Suassuna, do qual, Natércia Suassuna Dutra Ribeiro Coutinho e minha mãe Adília Suassuna Dutra, foram coautoras.

 

Rio, 8 de outubro de 1930.

Ritinha

Saudades infindas!

Recebi ontem sua cartinha de 01 do corrente, na qual você me dava tristes notícias do Catolé (surras em nossos amigos), de que já tinha mais ou menos conhecimento por um telegrama de Antônio, meu irmão, e no Teixeira onde não sei o que terão feito a esta hora, depois dos acontecimentos daí. Falava-me você, minha querida mulher, no descanso relativo que ia fruindo, sem imaginar que maiores aflições estivessem tão perto de nos flagelar. Meu Deus, quanto horror, a ser verdade tudo o que nos consta de ontem para cá, e de que ainda não temos certeza! A tortura e morte trágica de João Dantas e Augusto Caldas, massacrados em plena rua, martirizados e queimados depois de mortos. O sacrifício do General Lavanere Wanderley e outros oficiais legalistas, pensando eu logo no Major Júlio Cousseiro, Capitão Delmiro de Andrade, os filhos do doutor José Rodrigues e de d. Maristela Pedrosa e outros que nos foram tão dedicados. Os cuidados meus em Júlio Lira, Pedro Firmino, Jurema Filho, Duarte Lima e outros aí no Recife, foragidos, pelo ódio e perseguição implacáveis, filhos da paixão política! As aflições mortais por você, nossos queridos filhos. Cristiano, meu irmão e filhos em Goiana! Ah! Minha querida mulher, só Deus sabe como tenho sofrido mortalmente nestes dias de incertezas e apreensões terríveis, a par da injustiça de que sou vítima, e de que quero dar, mais uma vez, testemunho sereno perante o Senhor de todas as cousas, para, se eu desaparecer também e não nos virmos mais neste mundo de tristeza e dores pungentes, poder você assegurar aos nossos adorados filhos que eu sou inocente na morte do Presidente J. Pessoa; dela não tive nem conhecimento, nem poderia mesmo desconfiar que João Dantas pudesse mais praticá-la naquele dia, uma vez que ele já me apareceu muito tarde, como lhe tenho dito, e eu supunha, pelos termos da notícia da “União”, que o Presidente, a vítima, àquela hora já estivesse de regresso à Parahyba. A notícia do crime, portanto, foi para mim, transtornante surpresa, como poderá atestar Júlio Lira, primeira pessoa que ma comunicou e sofre igualmente dolorosa e injusta acusação. Ele nem esteve com João Dantas, no momento em que este veio trazer-me o artigo para eu ler, como só esteve comigo naquela tarde aziaga, depois da tragédia.

Não sei que destino nos esteja afinal reservado, nesta fase extrema e gravíssima da vida nacional; posso também desaparecer na voragem, sem vê-la mais, aos filhos, minha mãe, irmãos, cunhados, sobrinhos e amigos; disto tenho verdadeiro pressentimento. Como você não ignora, nunca me despedi de você, Ariano, Betinha e Saulo, a bordo, como de Neves e dos outros filhos em Paulista, com tanta saudade...Ah! Que esforço fiz para não chorar e demonstrar a você como me ficava o coração naquele abraço, talvez, o último neste mundo, em que os deixo ou deixarei pobres e expostos a verdadeiros martírios, numa época em que é incerto e negro o próprio futuro da Pátria brasileira. Confio muito em Deus em vê-los ainda, beijá-los e abraçá-los, mas como também posso não ser digno de tamanha graça, resolvi escrever estas declarações e deixá-las, com outros documentos da minha defesa, em mãos de um amigo, para seu conhecimento e dos meus – filhos, irmãos, sobrinhos e cunhados. Se me tirarem a vida os parentes do Presidente J. Pessoa, saibam todos os nossos que foi clamorosa a injustiça – eu não sou responsável, de qualquer forma, pela sua morte, nem de pessoa alguma neste mundo. Não alimentem, apesar disto, idéia ou sentimento de vingança contra ninguém. Recorram para Deus, para Deus somente. Não se façam criminosos por minha causa! Pode também escrever a todas as pessoas que nos são caras, que são sem fundamento as acusações à minha honestidade, feitas por inimigos políticos e particulares – são destituídas de qualquer fundamento. O pouco, a migalha que lhes deixo, é fruto do nosso trabalho, economia e renúncia ao luxo e ao próprio conforto de ordinário mantido por famílias das nossas posses. Você é testemunha disto, tanto ajudou-me na vida e pode dizer aos nossos filhos que eles tiveram por pai um homem de bem, digno do modelo de virtudes que é a sua consorte.

Deus há de velar por eles, como recompensa ao respeito que eu e você sempre tivemos às Suas leis e em que educamos os frutos do nosso feliz consórcio, para servirem a Ele e a Pátria. Continue a educá-los no trabalho, na modéstia de vida e na religião cristã, que é o refúgio seguro de todos os desgraçados e náufragos desta vida cada vez mais tormentosa.

A todos os nossos, parentes e amigos leais e verdadeiros, deve você dar conhecimento destas minhas declarações, caso venha a desaparecer de momento, como é possível, para que nenhum tenha a mais ligeira sombra de dúvida sobre a minha inocência no fato doloroso do Recife, da minha honestidade como homem público e particular e da pureza das minhas idéias, como cidadão, pai de família, parente e amigo, isto é, em todas as relações da vida terrestre.

Deixo todos os meus interesses em ordem, de sorte que você terá, por este lado, poucos aperreios, completando as notas aqui as notas que aí lhe deixei em mão.

Meu pensamento é hoje fixar-me no Sul, mas não sei se, sem minha pessoa você poderá fazer tão grave mudança de vida, com tamanha família e com os filhos ainda tão pequenos. Se a paz voltar à nossa grande Pátria, ora sacrificada e ameaçada, farei tudo para deixá-los onde não fiquem tão expostos ao ódio e à perseguição política. Parece que a gente que nos vota má vontade, não conhece e não sabe o que é perdoar.

Você sabe como fui infenso a essa política de lutas e ofensas, sofrendo calado toda espécie de agravos, para não revidar, porque estava prevendo a que extremos perigosos ia chegar a exaltação reinante. Refiro-me à luta política, porque fiz tudo para evitar a armada, tendo afinal opinado pela separação política do partido a que servi por quinze anos, com toda a dedicação e desinteresse, porque já estávamos humilhados demais. Conhece, porém, você, como hesitei diante da impaciência e pareceres pelo rompimento recebidos de tantos amigos. Só quero que me façam justiça e me carreguem a culpa que, de fato, me cabe. Posso ter errado, mas não pequei ou delinqui conscientemente. Seja Deus testemunha destas declarações.

Ass.

JOÃO SUASSUNA
 

 

Seu nome está ligado à História do Brasil, principalmente porque matou a tiros o então governador do Estado da Paraíba, João Pessoa. João Pessoa era candidato a vice-presidente do Brasil na chapa encabeçada por Getúlio Vargas, contra o grupo paulista de Júlio Prestes. A morte é considerada o estopim da Revolução de 1930, quando Getúlio ascendeu ao poder, após um levante popular contra uma fraude nas eleições. 

 

Os disparos que vitimaram João Pessoa não tinham motivos ligados a política nacional, e sim, em sua maior parte por motivação política local que passou para o nível pessoal, uma vez que João Pessoa, como chefe da Polícia ordenou a invasão do escritório de João Dantas, publicando suas cartas íntimas. Dantas era ligado a proprietários de terras da Paraíba que foram prejudicados pela cobrança de impostos estabelecida por Pessoa.

 

Dantas foi detido com seu cunhado Augusto Caldas, que era inocente, na Casa de Detenção do Recife, onde foram chacinados por oito homens que participavam da revolução em 6 de outubro de 1930, no início da Revolução de 1930. A versão oficial indicou suicídio. Esta versão é desacreditada pelo registro fotográfico de Louis Piereck.

 

Também Anaíde Beiriz morreria dias depois, no Recife, por envenenamento, aos 25 anos, provavelmente por iniciativa própria. Outras mortes se seguiram ao episódio, como a do então deputado federal, ex-presidente do estado, João Suassuna, pai do escritor Ariano Suassuna, que foi assassinado, no Rio de Janeiro, por Miguel Alves de Sousa.

 

A Parahyba, capital do Estado da Paraíba, que foi fundada com o nome de Nossa Senhora das Neves às margens do rio Sanhauá em 05 de agosto de 1585, no dia comemorativo da santa Nossa Senhora das Neves (milagrosa santa que fez cair neve em uma região na Europa em pleno verão ardente) que posteriormente recebeu outros nomes sendo Filipeia de Nossa Senhora das Neves (ou Filipeia), Frederica (ou Frederikstad), recebeu o nome de João Pessoa em homenagem ao político e uma nova bandeira, ainda a atual do Estado, foi criada com simbolismos homenageando-o. 

 

A faixa preta simboliza o luto e a grande faixa vermelha representa o sangue de João Pessoa. Essas cores também representam as cores da Aliança Liberal. A frase “Nego” (tempo presente do verbo negar) foi dita por João Pessoa ao negar a continuação da política café com leite e a vitória de Júlio Prestes.  Até a reforma ortográfica da língua portuguesa de 1971 havia o acento agudo na palavra “Négo” na bandeira.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 17/08/2024
Código do texto: T8131105
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