Pediatra

Enquanto calçava os tênis do pequeno, mentalizo pela centésima vez “está tudo bem”. Pegamos o carro, o trânsito colabora - algo raro para uma sexta-feira em São Paulo - e chegamos ao consultório. Ele percebe que não se trata de um passeio aleatório, faz beicinho, ameaça chorar. Eu digo “está tudo bem”, respiro fundo e tento acreditar também.

Quando somos chamados, a ameaça se concretiza. A promessa de choro vem com força total, ele corre no sentido oposto ao do consultório. Eu entro na sala enquanto o pai vai atrás dele, com toda a sua habilidade de negociação e convencimento. Cumprimento a pediatra, sento na cadeira azul e começamos a falar sobre o meu filho, enquanto ele não quer saber de falar com ninguém.

Entrego a ela os papeis com os resultados dos exames. Por Deus, os exames: ele também entrou em desespero quando percebeu que, antes de ganhar o sonhado café da manhã na padaria, teria que passar por uma “picadinha”. As enfermeiras se espantaram com a força dele - eu não. Deslizo as folhas de papel pela mesa da pediatra como quem entrega uma prova ao professor sabendo que foi mal.

Nenhuma prova de matemática me deixa tão tensa quanto a avaliação da pediatra. Descobri muito cedo o meu não-talento para as ciências exatas, então sabia o que esperar de uma avaliação de álgebra ou trigonometria: o pior, claro. No entanto, a consulta com a médica do meu filho é muito mais desafiadora. Como se ela fosse avaliar não a saúde dele, mas o meu desempenho enquanto mãe.

“Os resultados dos exames estão todos normais, mãe”.

“Ele está comendo de tudo? Um pouco seletivo com legumes, né? Acontece, é uma fase mesmo”.

“Ele dorme a noite inteira já? Acorda só uma vez, está ótimo”.

“Brinca bem sozinho? Brinca bem com outras crianças? Fala de tudo né, bastante conversador.”

Depois de ter o coração auscultado, os ouvidos examinados, os dentes contabilizados, altura e peso aferidos, meu menininho é liberado - e, enfim, para de chorar. Dá tchauzinho para a pediatra. E eu passei na prova como mãe.

Está tudo bem - me permito, enfim, acreditar.

Carol Porne
Enviado por Carol Porne em 16/08/2024
Código do texto: T8130278
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