Oh! Camões!

              Nobre viajante português, quanto me custastes?!

          Eu que amava a língua de Dante Alighieri desde o berço, eu que ouvira falar do Humanismo na Divina Comédia, onde as estrofes soam como música aos nossos ouvidos infantis, todas elas em três versos ritmados e atraentes, eu que me apaixonara pelo amor de Dante por Beatrice... Ah! Como sofri!

          Caríssimo escritor, cavalheiro e gentil Luís Vaz de Camões, deixe-me lhe narrar: alardeadas vozes pelos quatro cantos do Brasil de outrora chegavam impedindo-nos de falar a língua materna tão fervorosamente amada, por decisão de algum desalmado dos Três Poderes. Fomos à escola aprender a língua portuguesa. E nos pusemos a ler os textos e livros em vossa obtusa língua. Quanto penei para acertar as tônicas, os hífens, os acentos circunflexos, os hiatos, os advérbios... ufa! Porém, não tem como não apreciar o Classicismo português em “Os Lusíadas”, seus tão sábios versos!!!... que maravilhosa poesia épica com 1102 estrofes em dez cantos, apresentados em 8.816 versos em oitavas decassilábicas (!!!):

[...]Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram; 

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram; 

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Netuno e Marte obedeceram. 

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevanta. [...]*

          Bravo Camões!!! Dantesca essa epopeia! Minha perplexidade não advinha somente dos textos, sonetos, a prosa poética, a poesia ou os advérbios, mas sim, da complexidade da escrita com suas conjunções, proparoxítonas, acentos circunflexos e reticências... Que dificuldade!

          Dante, nosso poeta maior na península itálica, foi mais sucinto. O seu poema alegórico "A Divina Comédia” composto de 100 cantos em tercetos, um símbolo de perfeição, em nada se assemelha ao poema “Os Lusíadas”. Mas, é igualmente perfeito e magistral!

          O Mestre italiano cantou-nos no Paraíso: [...] “Quem és tu que queres julgar,/ com vista que só alcança um palmo,/ coisas que estão a mil milhas?”. Nossa gloriosa língua italiana renascentista e faceira pulsava na garganta e em nossas mentes fervilhantes na busca do saber. Pudemos estudar os círculos concêntricos da Terra, os cenários bíblicos que povoam o Inferno, sem nos determos no Purgatório (é assaz perturbador) e, sim, nos deslocamos a essa Esfera Paradisíaca, o mundo atual (!) com suas influências neoplatônicas. Há uma riqueza abundante nas alegorias de Dante.

          Tarde da noite, lamparina acesa a óleo sobre a mesa, nossa mãe nos ensinava a gramática portuguesa, o pouco que aprendera. Ela, que arranhava a língua italiana, ensinava humildemente trocando os vocábulos, pois nascera em berço tirolês, que se amalgamou em Porto Franco, Estado de S.Catarina. Ao acordar olhando o céu exclamava: “che bello il sole... e i uzei cantano cosi meravigliosi**”,... misturando os idiomas das terras de além-mar. Madonna mia!... um verdadeiro caldeirão linguístico.

          Os tempos da infância se passaram e no colegial não tive escolha senão afeiçoar-me aos versos épicos de “Os Lusíadas”. Tive, inclusive, que declamar em salas de aula a intrigante poesia indianista de Gonçalves Dias “I-Juca-Pirama”... imaginem o rubor das minhas faces tentando ser uma brasileirinha inteligente.

          Merecidamente, o brilhante gênio literário Dante Alighieri recebeu uma coroa de louros, na Itália. Igualmente foi laureado o excepcional escritor e poeta Luís Vaz de Camões, o gênio maior de Portugal.

Roubo de ti, poeta imortal, alguns versos:

[...]“Que dias há que na alma me tem posto / Um não sei quê, que /

nasce não sei onde, / Vem não sei como, e dói / não sei porquê.” Camões.

          Quis o destino que eu viesse a seguir a carreira literária. Altivas mentes acolheram meus singelos escritos... Na poesia “Minha essência” imprimi minha voz:

[...] Atravessei o túnel do tempo! 

Escrevi no barro, na areia, / Na lousa, no tablet...

Serei eternizada em alguns livros.

Fiz das letras o café da manhã  /  O vinho da madrugada.

Por milênios sobrevivi, / A despeito das operantes desfeitas. 

Na grande nuvem da era digital / Minha essência reside. 

Sou o que permanecerá / Sou “escritora”!

          A cultura é o que nos mantém fortemente unidos para o bem da Humanidade. Salve! Salve! A bela e formosa Literatura que abraçamos.

     Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho

     Destemperada e a voz enrouquecida,

     E não do canto, mas de ver que venho

     Cantar a gente surda e endurecida.”

— Camões , Os Lusíadas, Epílogo, Canto X, estrofe 145

        Não pode ser, digo-vos pois... Vós sois amado de todas as nações lusófonas, Mestre maior da língua portuguesa! Minhas reverências ao vosso viver, à vossa sabedoria e ao vosso legado nobres Dante Alighieri e Luís Vaz de Camões. Onde quer que vossas almas desfilem em Poesia e Arte nossa gratidão! Da quinta dimensão, no palco da eternidade, vossas palavras ecoam para toda a Humanidade!

 

                                        Izabella Pavesi 

                                                 imagem: internet 

 

P.S. *Os Lusíadas / canto I.

** Que belo o sol... e os pássaros cantam assim maravilhosos”.

 

Esta Crônica foi agraciada com o 2.lugar no Concurso " 500 anos de Camões" da Rede Sem Fronteiras, Categoria Crônicas, ano 2024.