Comentários a respeito da morte
Não costumo pensar na morte. Sei que um dia ela vem, de supetão ou não, mas não é um tema, um evento que costuma visitar meus pensamentos. Quando eu era criança, eu tentava imaginar como seria o mundo caso eu não existisse. Acabava mentalizando o nada, o vácuo, a ausência de substância, um preto infinito, pois eu não teria olhos para ver, nem pele para tatear qualquer coisa. E eu estremecia por dentro, me agoniava. E a morte não é isso? A perda de contato com o mundo material?
Sou terminantemente cético. Não acredito em Deus, carma, superstições, reencarnação, sorte ou azar, essência humana, certas intuições. Nada. Então, tenha em mente que, para mim, a morte é o fim de tudo. Dependendo da pessoa, a morte pode ser mais ou menos angustiante. Se ela é cristã, há dois caminhos no fim da estrada: céu ou inferno. Então o cristão, não convicto de sua salvação (alguns são), tem a incerteza de dois lugares, um maravilhoso e um terrível. Ele pensa "Quando eu for dessa pra melhor, subo ou desço?". Ele interpreta a morte como o resultado de um jogo de cara ou coroa com duas possibilidades díspares ao extremo. Portanto, a morte vira uma agonia pela insegurança a respeito do que se espera.
Certas pessoas, quando ouvem falar em espíritos, fantasmas e defuntos, dizem cruz-credo, ficam tensos, nervosos e até pedem para trocar de assunto. A morte á única certeza na vida, mas é uma das que mais assombram as pessoas. Escrevi numa crônica que o ser humano é o único animal que tem medo de si mesmo. Este bicho tem outra particularidade; é o único que se angustia pela morte quando esta não está imediatamente próxima.
Faz alguns dias estava que estava conversando com uns amigos, e a conversa foi parar na morte da Marília Mendonça. Nós relembramos aquele acidente de avião pavoroso, e minha amiga Fabíola contou que as câmeras da Rede Globo deram um close obsceno no corpo dilacerado da cantora.
Falar da morte geralmente não me deixa nervoso, mas naquele momento eu me angustiei. Não sei bem o motivo. Poderia dissecar as várias causas possíveis, mas a crônica ficaria longa. Um elemento importante é que a morte tem um aspecto sagrado. Não se viola corpos de defuntos, nem caixões. É regra. Prenderam o cara que divulgou fotos da autópsia da cantora. E mesmo sendo praticamente ateu, a ideia de uma emissora de TV expondo uma pessoa retalhada aos olhos de milhões de brasileiros me causou repulsa.
O defunto é um santo, e seu corpo é igualmente sagrado. Em vida, pode ter feito muito mal, pode ter feito muito bem ao mundo, mas quando está deitado de barriga pra cima num caixão, tornou-se um punhado de carne com algodões. Não mexe mais com ninguém, não mais se ofende nem ofende ninguém. Então, por que atribuímos tanto respeito ao morto? Não consigo responder isso. Só sei que a morte gera santos.