Saiu na Folha em 2019 uma matéria do jornalista Gilberto Dimenstein em que relata o que lhe aconteceu após ter sido diagnosticado, naquele ano, com câncer muito agressivo de pâncreas, complementado por metástase no fígado.
O seu tumor passou por análise genética que identificou a probabilidade de 1% de ocorrer uma mutação que possa ter tratamento promissor.
Já eliminaram o câncer de pâncreas em ratos e estão iniciando os testes em humanos. E ele já se colocou à disposição para participar destes testes.
O Gilberto relatou que o câncer fez grandes mudanças na sua vida, deixando de ser o jornalista racional de sempre.
Assim passou a desempenhar um papel ainda mais combativo, exercendo seu ofício com viés do empoderamento, usando a habilidade com as palavras para promover causas. Também discorreu no texto que, com câncer ou sem câncer, vamos todos morrer. Mas é possível atingir uma certa profundidade ao nos depararmos com o limite da vida. No caso dele, a situação bem adversa o levou ao mundo das gentilezas, pois cada pessoa que encontra tem uma palavra que acarinha, uma dica de oração, um chá que poderá ajudar, um olhar gentil.
Fiquei imaginando como eu reagiria se tivesse tido um diagnóstico como o dele. E o quanto a notícia poderia dar novo significado aos meus dias e ao jeito como lido comigo, com as pessoas do entorno e com o mundo.
Ninguém sabe o que nos reserva o minuto seguinte. Talvez enquanto estou escrevendo esse texto um tumor esteja à espreita em algum canto do meu corpo, pronto pra dar o bote. A partir daí, sessões de quimioterapia, enjoo, febre alta todo dia, mudança no paladar e tudo mais que vem de lambuja no tratamento, cujo resultado será uma incógnita do tamanho do universo. Talvez não seja essencial ter uma doença assim para rever o próprio roteiro. Talvez as reflexões do premiado jornalista possam fazer virar certas páginas e assim lidar melhor com a vida. Mais do que simples metáfora, podemos ir em direção à inevitável morte do jeito que bem entendermos. Não há lei que nos obrigue a seguir sempre do mesmo jeito, enfrentando certas turbulências "inevitáveis" que cruzam religiosamente os nossos caminhos.
Se imaginar diante de uma situação-limite como a que ele enfrentou pode gerar uma grande mudança de planos.
Gilberto Dimenstein morreu em 2020, aos 63 anos.