Desvalor
Dois velhos conhecidos encontram-se e trocam saberes sobre a vida.
- Eu tenho investido algum tempo para observar como anda o relacionamento entre empresas e seus funcionários, mas isso não me tem feito bem, sabe?
- Eu posso imaginar. Faz anos, e muitos, que a relação é utilitarista e pelas duas partes. Os vínculos afetivos deram lugar a vínculos de rendimento.
- Vi, no site do banco, que tenho uma nova gerente. Nada é explicado. O que houve com a anterior que me atendia muito bem? Foi substituída. Como a gente substitui a borracha que veda a tampa da panela de pressão.
- Exato. O banco não espera que se formem vínculos entre gerentes e clientes. Você já imaginou o que pode acontecer a um chefe que corrige um funcionário para que ele faça certo a sua tarefa? Pode ser denunciado por assédio moral.
- E nós temos exemplos disso. E como esse impasse é resolvido? O funcionário que não corresponde não é orientado nem ensinado; é demitido. E esse tipo de relação sem afeto, distancia a empresa dos funcionários.
- O que você busca no seu trabalho? Dinheiro. O que a empresa espera do funcionário? Que ele faça seu trabalho ao menor custo. Isso me parece tão evidente nas relações empregador-empregado.
- Houve uma época em que se falava muito em “vestir a camisa”, lembra-se? Ser parte da família das organizações X. Ter orgulho de trabalhar para a companhia Y.
- Dos mais velhos dizia-se que “tinham plaquinha de ativo fixo” porque faziam parte da história da empresa. Era até natural um empregado defender a sua empresa e referir-se a ela com sentimento de orgulho.
- Hoje, as relações estão terceirizadas. A empresa precisa da minha mão de obra e eu preciso do dinheiro do pagamento. Eu me sinto bem, se achar que meu salário é bom. Mas posso mudar de opinião; não tenho vínculos afetivos.
- Sabe que eu vejo vantagens nessa relação de desapego entre empresa e funcionário? Os dois lados entendem que a relação pode ser rompida a qualquer momento, por qualquer uma das partes. Há menos medo para mudar.
- Esse desapego estendeu-se às pessoas. Se uma relação afetiva anda complicada, melhor trocar que tentar consertar. O valor é o do desvalor!