Segue o seco

Os acentos... mil perdoes!

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Jose Luiz era um cara que odiava chuva. Nao daquelas pessoas que preferem um dia ensolarado e vao para o trabalho reclamando quando chove. Nao. Ele tinha verdadeiro pavor.

Se JL acordasse e visse que tinha chuva batendo na janela, nem que fossem uns pinguinhos insignificantes, ja era motivo para desespero. Ele comecava a tremer e nao tinha santo que desse jeito no coitado.

Antes de voce sentir pena dele e raiva da chuva, eh melhor eu esclarecer que a agua que cai la de cima, ou as lagrimas de Deus, trouxe umas mudancas positivas para a vida de JL. De tanto perder o emprego por nao poder trabalhar em dia de chuva, resolveu ser dono do proprio nariz, assumir sua luta contra a chuva (embora nao estivesse disposto a encara-la) e trabalhar em casa para uma empresa que hospedava paginas virtuais. Tirava uma grana boa.

Mas isso eh tudo o que ha para contar de bom. Certo dia JL resolveu que ia tirar ferias e viajar para algum lugar pela primeira vez. Quis ir para a Africa, porque Deus nao chora muito por la (deve ter cansado de ver tanto sofrimento) e nao teria problemas. Levou tres guarda-chuvas soh por precaucao, mesmo sabendo que nao ia usar nem se fosse forcado. Aih aconteceu a tragedia. Numa das cidadezinhas que serviam de conexao para outros lugares, comecou a chover. JL ja estava no aeroporto, a salvo do molhado e ouviu uma aeromoca jurar que nao haveria chuva quando chegassem ao destino final. Acalmou-se e embarcou.

O problema eh que a aeromoca mentiu, agiu de ma fe. Coitado do JL! Nao se via uma unica zebra no meio da queda d'agua e nao houve quem tirasse o rapaz assustado do aviao. Acabou dormindo no hangar da companhia aerea ate o sol aparecer. Ainda bem que soh demorou 11 dias.

Quando voltou para casa, frustrado, entrou numa sala de bate-papo que reunia pessoas com algum tipo de fobia. Tinha gente com medo de borboleta, do escuro, do fim do mundo, de televisao, de criancas, de besouro, cupim, tubarao, toalha, abacaxi, bicho de goiaba, sogra, impostos, futuro, nuvem, horas e de etc.

Que maravilha! Nao era o unico entao! Sentiu-se a vontade para falar de sua relacao cortada com a chuva e papeou horas com um rapaz que tinha fobia de agua de qualquer tipo: agua de chuva, de tanque, de lago, oceano, caixa d'agua, poca, orvalho, suor e fluidos do corpo, de privada, pia, mangueira e tudo o mais que voce possa acrescentar.

Depois de saber que fazia 12 anos que o cara nao saia de casa, nao tomava banho, nao fazia esforco fisico para nao liberar liquidos, nao bebia nada, soh cozinhava o que nao precisava de agua e estava morrendo de secura dos orgaos, JL resolveu que era hora de procurar ajuda antes que chegasse a esse ponto e parasse de viver de vez.

Parece que o mundo estava a seu favor. Era o dia mais azul e as ruas pareciam esteiras transportando JL com leveza e velocidade ao menor toque de seus pes. Ja tinha passado da hora de fazer as pazes com a chuva.

Frequentou sessoes psiquiatricas e terapeuticas por um ano inteiro quando foi finalmente liberado e sentiu-se levemente curado. Mas uma coisa eh o medico dizer que esta tudo bem, outra coisa eh quando voce precisa testar para ver se eh verdade mesmo.

Durante dois meses inteiros JL quis ver chuva e nao pode. Sessenta dias tinham passado sem que caisse um gota do ceu e ele precisava se esforcar para imaginar uma nuvem contra tudo aquilo de azul.

Certo dia, nosso rapaz tinha lavado todas as suas roupas, deixando soh o que havia no corpo. Mal prendeu a ultima cueca no varal e uma nuvem chumbo e jumbo pousou sobre sua casa. Os pingos caiam como pedras nas costas de JL e ele fez o que pode para salvar as horas que gastou com sabao e maquina de lavar. Que beleza! Na ansia de nao perder o trabalho todo, nem percebeu que se molhou inteiro e que estava definitivamente curado.

Ficou tao feliz que nao cabia mesmo em si. Precisou sair de casa para que todo o tamanho do seu alivio ocupasse o ar. Sentou no chao, depois deitou de barriga para cima, sentindo Deus chorar de alegria por ele.

Esse medo monstro de chuva nunca tinha sido bem entendido pelas pessoas. Os homens debochavam e se afastavam, e as mulheres nao achavam nada atraente. Era por isso que queria fazer novos amigos e arrumar uma namorada que mostrasse para ele o quanto a vida valia a pena.

Saiu com algumas mulheres aqui e outras ali, ate pegar o jeito da coisa de novo. JL estava realmente aproveitando a vida! Fez novos amigos, com quem sempre churrasqueava e decidiu abrir uma firma ao inves de continuar trabalhando sozinho em casa.

Depois que se livrou do pavor da chuva, JL notou que raramente escorregava uma gota do ceu. Concluiu que os anjos estavam fazendo festa por sua vitoria e sentiu-se cada vez mais realizado.

Nessa mare de sorte conheceu Alice, uma mulher de aparencia exotica, de grandes olhos azuis e muito delicada em todos os movimentos. Apaixonaram-se instantaneamente e, como os dois tinham uma situacao financeira estavel e idade suficiente, marcaram uma data para o casamento.

Quem diria que JL um dia casaria! Mas ele estava la, no altar, com a igreja recheada com todos os amigos que tinha feito e muitos parentes com quem nao falava na epoca do panico. Estava pleno.

Alice estava mais do que linda e ele ficou congelado ao ver o que a vida tinha lhe dado de presente. Por ser muito delicada, como ja conversamos, Alice nao pode conter as lagrimas e, quando JL olhou bem no fundo de seus olhos azuis, viu montes de nuvens passeando e toda aquela chuva caindo dos olhos da noiva.

Aih nao deu. Aih ja era exigir demais de JL. Nao podia viver para sempre com uma mulher que chovia.

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