SEGUE A CAMINHADA II
NO MOINHO DA LUZ - UM NOVO TRABALHO
Era localizado lá na parte baixa da Rua Halfeld, entre a escadaria sobre a linha férrea e o rio Paraibuna. Na Avenida Raul Soares nº 18. Essa Avenida começava na Rua Halfeld e terminava na Estação da Estrada de Ferro Leopoldina. Era curta, mas de grande movimentação, pois que transitavam por lá, as pessoas que desciam da Estação de trem Leopoldina e se dirigiam aos hotéis da Praça da Estação ou Pensões "familiares" alí mesmo na Av. Raul Soares, visto que de um lado era a linha da EFCB e de outro Armazéns de secos e Molhados e Fábricas, como Calçados Andorinha e RS Móveis e na esquina com a Rua Halfeld o Bar do Brilhante.
Fui admitido no dia 15 de agosto de 1961 conforme anotação em minha Carteira de Trabalho, de Menor, como Aprendiz de Escritório e continuei a estudar à noite até terminar o Curso de Comércio, na Escola São Jorge, então com 15 anos de idade.
No início de 1962 comecei o curso ginasial na famosa ESCOLA NORMAL OFICIAL, cujo diretor era o pequenino Professor Oswaldo Veloso, violoncelista da Orquestra Philarmônica de Juiz de Fora.
Durante o dia o movimento era incessante nos Armazéns e lojas no térreo das Pensões. Caminhões carregando mercadorias, chapas (carregadores) com sacos de farinha de trigo 3 Coroas, nosso "carro-chefe" e outros cereais nos depósitos do Sr. Adalberto Salgado, Silvio Moreira, CAMIG, etc. empresas essas posicionadas logo a seguir no sentido da Estação da Leopoldina.
E as mulheres "perdidas" (diziam, as mais fáceis de se encontrar) somente apareciam na área quando o comércio estava por fechar, à tardinha, na "boca da noite" e faziam seu "trotoir" exercendo seu "metier". Assim era aquela área, naqueles tempos. Mas deixando de lado esses pormenores, que em nada desmerecia o comércio e as indústrias e seus funcionários, que desenvolviam seus negócios sem problemas e/ou intervenções.
A loja do armazém possuia duas grandes portas de aço, que eram abertas e fechadas por mim, as 08 horas e fechadas às 18 horas, diàriamente de segunda a sexta-feira e aos sábados de 08 ao meio dia.
O Escritório ocupava a lateral da loja, quase até o meio do armazém, com seus móveis, mesas, cofre, estantes, divisórias e arquivos. O restante era ocupado por pilhas e mais pilhas de sacos de farinha de trigo e posteriormente com sacos de ração para galináceos e leite em pó. As rações possuiam, cada uma um objeto. Para crescimento, poedeiras e engorda. Cada qual no seu quadrado.
Ali pude colocar em prática o que apreendera na teoria da Escola São Jorge. Emitir notas fiscais, fazer fechamento do livro Caixa, diáriamente, atender aos clientes e anotar seus pedidos e marcar os sacos de farinha, lá na pilha, com pincel atômico.
Me lembro de um cliente padeiro, em Coronel Pacheco, que fazia seus pedidos por telefone e o caminhão do entregador, o João Português - João Ferreira Gomes, que morava também na Borboleta, como eu, ou um chapa em carrinho de mão, dependendo da quantidade de sacos, levava até a Estação da Leopoldina, para despachar nos trens.
Eu gostava desse serviço. Uma grande escada de madeira era encostada na pilha de sacos de farinha, de mais de cinco metros e eu subia nela e marca as iniciais dele: O.D. (Orlando Deotti) e o nome da estação de destino: ÁGUA LIMPA.
E era assim que funcionava a roda da vida naquele comércio. Eu emitia a Nota fiscal no bloco, em cinco vias (três vias iam com a mercadoria) uma era enviada para o Fisco Estadual e a última ficava fixa no talonário. Eram quatro folhas de carbono dupla face, que intercaladas entre as folhas, exigiam mão firme e boa letra para ser legível. Para dar maior firmeza e clareza no serviço, completava uma grossa folha de lata, do tamanho do talão da Nota Fiscal, depois da 5ª via da mesma.Saía um serviço perfeito, enquanto, no decorrer do tempo, um calo se formava no meu dedo (pai de todos) pelo esforço empregado para imprimir as cinco vias.
O Gerente, Dr. Edson de Oliveira Miranda, também fazia de tudo e me dava toda autonomia no Escritório, me confiando tarefas de grande responsabilidade, como lidar com o dinheiro, fazer o caixa no final do expediente e extrair o boletim de caixa numa folha especial e entregava a ele, que guardava no cofre, para ir depositar no dia seguinte, apesar da minha pouca idade, 15 a 18 anos de idade (o tempo que permaneci na empresa).
O Sr. Leonildo Gonçalves Regado, um português, era o proprietário da empresa LEONILDO REGADO REPRESENTAÇÕES LTDA. e nem sempre permanecia nela, viajando e tratando de novos negócios na sede do MOINHO DA LUZ, no Rio de Janeiro e outras Praças. Certa feita fechou negócio para vendermos também ração para aves, da marca AVELUX. A de nº 1 era para crescimento, a nº 2, para engorda e a nº 3 era para poedeiras. E mais, leite em pó, em sacos de papel, com 25 quilos, cada. Para tanto um vendedor foi contratado, um jovem muito eficiente e bom de vendas. Fernando Gama de Menezes, o nome dele.
E o Sr. Joaquim Gomes de Oliveira, era um antigo encarregado do armazém, controlando e contratando chapas (homens fortes) para manusear e carregar os sacos das mercadorias, ora descarregando caminhões vindos da sede do Rio de Janeiro, e empilhando dentro do armazém, ora carregando caminhões de entrega e viaturas dos clientes que iam buscar suas compras "in loco" e um deles era morador da Borboleta, o "Paulo Macarrão) Schaeffer, meu amigo.
ACONTECIMENTOS MARCANTES:
1 - FOGO-FOGO -
O Sr. Regado, sempre bem vestido de terno marrom, de idade por volta de 60 anos, calvo, sempre gostava de pitar seus cigarrinhos de palha. Tinha um cinzeiro na sua mesa de trabalho e quando ele permanecia no Escritório, no final do dia sempre eu o esvaziava na lixeirinha ao lado da mesa cheia de papeis amassados e despejava num saco para o descarte final no latão.
Certa feita, sentou-se à mesa de trabalho, tirou sua palhinha branquinha, impecavelmente lizinha, abriu a latinha do fumo de rolo bem desfiado, recheou e fechou o cigarrinho, dando uma lambidinha regulamentar, colocou na boca e acendeu com um fósforo da caixinha Pinheiro, que trazia no bolso do paletó. Sacudiu o fósforo para apagá-lo e jogou na lixeirinha de madeira, cheia de papeis, ao lado de sua mesa. Entretido com seu serviço de conferência de relatórios, não notou que o fósforo não havia se apagado e botou fogo na papelada da lixeira e as labaredas já estavam alcançando a pilha de papeis em sua mesa. Minha mesa de trabalho era distante cerca de uns cinco metros e logo que notei o acidente, de um salto, corri, afastei a lixeira com o pé e com as mãos, nós já apagamos o fogo dos papeis da mesa. O susto dele foi tão grande, que afastando-se, somente conseguia balbuciar... Oh, oh, raios... O Dr. Edson, que estava conversando à porta do armazém, veio correndo ajudar... No final, todos ficamos a gargalhar com o acidente e o susto que o Sr. Regado passou e nos pregou...
2 - fOI ROUBO, OU FOI FURTO?
Aqueles armazens velhos, da Avenida Raul Soares, todos tinham sobre eles, os "hoteis" para os viajantes da Estrada de Ferro e/ou Pensões onde as "mulheres da vida" moravam e recebiam seus clientes. Interessante era que a entrada para o alto, era sempre na lateral das lojas, com portas individuais e escadarias de madeiras, reforçadas no piso. Escadarias essas que eram notadas do interior das lojas, desde o nível da rua até a laje de cima, o piso das Pensões. E assim construídas, nunca haviam dado "B.O." até então.
Antes de encerrar o expediente, eu e o Dr. Edson fazíamos o acerto do Caixa, conferindo receitas e despesas e o dinheiro, naquele dia, bem empacotado e preso por elásticos foi colocado na gaveta dele, fechada à chave e fomos embora.
Na manhã seguinte, abri as portas de aço, como sempre fazia e em seguida entramos, o Sr. Joaquim, eu e o Dr. Edson. Alguns passos e já nos deparamos com o drama acontecido. O piso da escada descrita, que levava ao andar de cima, estava arrebentado e pessoas ou pessoa, desceu dentro do Armazém, de madrugada e...
Tudo estava revirado e pingados de cera de velas por todo canto, em cima dos balcões, das mesas, pelo chão... Papeis esparramados, máquinas de escrever Remington e de calcular Facit, telefones, sumidos. Tudo que passou pelo buraco foi levado.
Dr. Edson, pálido, se lembrou do pacote de dinheiro que deixara na gaveta e corremos para conferir. A gaveta era reforçada e fechada à chave. O ladrão arrebentou com alguma ferramenta a frente alta da gaveta e meteu a mão lá dentro, tateando do meio para o fundo, mas, por sorte, não encontrou nada. O pacote de dinheiro estava encostadinho na tábua da frente e lá estava ele, quando o Dr. Edson abriu a gaveta estourada, com a chave. Ufa... Pelo menos o prejuizo não fora total.
A Polícia veio e fez uma varredura no local, mas não prendeu ninguém. Lá em cima, na Pensão, não encontraram viv'alma e tudo ficou por isso mesmo.
Não me lembro se fizeram nova escada ou se remendaram aquela mesmo...
3 - OVO DE MADEIRA OU OVO CHÔCO?
O Dr. Edson também criava galinhas em casa e utilizava seu "hobby" para testar as rações que a empresa vendia, e a AVELUX poedeira era um dos objetos dos experimentos dele.
Certo dia, apareceu no Escritório com um ovo estranho, todo nervurado, mais ovalado, maior e de uma cor azulada clara, que uma de suas galinhas botara. Não era a primeira vez da "botação" e ele já se fartara com ovos cozidos, fritos e omeletes. Tudo normal com o interior desses ovos, mas o exterior com a casca dessa maneira era uma "anormalidade" sadia. Mostrou para nós e deixou sobre o cofre, como uma curiosidade para mostrar aos clientes.
Os criadores de frangos de Serraria, Paraibuna, etc., vinham sempre buscar ração em seus veículos e me lembro do nome de JOSÉ FERRETTI, EMÍLIO ASSAD e um alemão, WERNER M. PREU.
Esse último, muito amigo do Sr. Regado e do Dr. Edson, sempre ia ao Armazém, ora sozinho, ora com seu filho EDGARD e gostava de ouvir as experiências do Dr. Edson e conversar com a gente, contando também suas peripécias, pois que além de criar galinhas, era sócio ou Diretor da Fábrica Estrela Branca, lá no Morro da Glória.
Pois bem, o Sr. Werner, nesse dia, chegou no seu veículo para buscar alguns sacos de ração e vinha muito bem vestido, com seu terno creme, camisa branca e gravata azul. Careca, vermelhão, cerca de 60 anos, fazia boa figura. Foi entrando e alegremente cumprimentando todos nós e o Dr. Edson foi logo colocando sobre o balcão o famoso ovo estranho de sua criação com a Ração Avelux nº 3 Poedeira, contando sobre ele ao amigo alemão.
O Sr. Werner, brincalhão, como todo alemão, pegou o ovo, olhou detidamente, examinou e incrédulo, falou: - Está brincando comigo, né? Isto é ovo de madeira...
O Dr. Edson, reafirmava que não, era ovo de verdade, que uma de suas galinhas botara e que a casca saira assim, diferente, parecendo de madeira mesmo...
O Sr. Werner, então saiu-se com essa: - É? Vou provar que é de madeira. E colocando o ovo no balcão, à altura de sua pança, deu um tapa com a mão espalmada sobre o ovo, que despedaçou-se sobre o balcão, espalhando aquela meleca parda, fedorenta da mistura de clara com ovo podre sobre tudo ao redor, (estivera exposto ali sobre o cofre por mais de 15 dias) inclusive respingando no seu alvo terno e camisa branca, subindo pela manga da camisa.
Foi uma fedentina generalizada que quase me atingiu, mesmo à distância... O Dr. Edson que pressentiu o drama, apesar de ter advertido o amigo, havia se afastado...
O alemão saiu furibundo, porta à fora, nem pedindo para ir se limpar no banheiro, de tamanha vergonha porquê passara. Sobrou pra mim ir limpar tudo, com creolina e um balde com água.
Dias depois, constrangido ele voltou ao escritório e nós demos boas risadas sobre aquele acontecido...
4 - QUERO MORRER - A TENTATIVA
Como dissera, a Av. Raul Soares começava na Rua Halfeld. De Um lado o Bar do Brilhante e de outro a Escadaria que passava sobre os trilhos da EFCB. Os postes da Mineira, com seus fios elétricos esticados estavam postados do lado da linha férrea.
Uma "mulher perdida” (as mais fáceis de se encontrar), conhecida dos chapas, passou zunindo, pela porta do Armazém, resmungando e se dirigindo às escadas da Estrada de Ferro, uns disseram que ela estaria dizendo que ia se matar, pulando lá do alto da escadaria, se jogando sobre a linha do trem. Era pela hora do almoço, quase 11 horas. Ficamos de longe olhando o que aconteceria, visto que vários chapas já estavam subindo escada acima atrás dela.
Ficou muita gente se juntando defronte nossa loja, visto ser a mais perto do bar e defronte às escadas, que eram bastante altas, uns três metros mais altas que o poste de iluminação. A mulher, descabelada ia até o meio da passarela olhando se algum trem se aproximava, mas como não era hora de passar nenhum naquela hora, ela voltou-se para o fim da passarela, bem defronte o Bar do Brilhante e ficou gritando que ia se matar, que a vida não vale nada e pular lá de cima. Os homens nem conseguiram chegar perto dela, com receio de apressar a decisão dela e, ela pulou...
Mas, por sorte ou azar dela, seu corpo foi amortecido pelos fios do poste que virou seu corpo, que ia cair de cabeça no chão de paralelepípedo e ela caiu de lado.
Nessas alturas já haviam chamado o SAMDU, que veio rápido e a levou para o hospital. Naquele dia nem consegui almoçar, dadas as emoções vividas e a cena do corpo caído e ensanguentado.
Depois soube-se que ela não morreu, quebrando alguns ossos e recuperando-se, semanas depois, embarcou no trem da Leopoldina e retornou à sua terra, no interior...
Nesse emprego, que muito agregou valores à minha jornada, pelo qual agradeço à Providência Divina, permaneci até o final do ano de 1963, pois que completando 18 anos em 21 de novembro, já havia me alistado, aprovado e estava com a documentação pronta para prestar serviço militar obrigatório, a se iniciar em janeiro de 1964.
Segue...