Explicando por que não estarei hoje contigo
Meu amor, não entenda como desrespeito ou desinteresse de minha parte.
Sou um homem, posso dizer em termos bastante francos, que está doente da cabecinha, tem algo em mim.
Veja, nunca estou inteiramente aqui, ali ou em qualquer lugar, isso corresponde, segunda a teologia, a estar endemoninhado, dividido, repartido, desintegrado. De si. Do outro. Do mundo.
Há em mim um desejo pelo silêncio e pela solidão, e pelo auto martírio, pela autoflagelação e uma inclinação ao masoquismo. É difícil de explicar e mais ainda de compreender. Mas, posso dizer que te amo. E te respeito. E que você será inexoravelmente feliz, com este seu jeito sorridente, sabendo dançar com tamanha destreza o forrozinho.
Não quero chocá-la, mas, hei de ser franco, sinto minha hora chegando, e não será o fim do mundo, nem o meu, o seu, ou muito menos de qualquer outra pessoa.
Quantas vezes, depois de beber um vinho chileno daqueles espumantes, escutando pacientemente minhas músicas repetidas (você sabe: My favorite things, Toy, Quantas voltas dá meu mundo, Central park west, Sanfona sentida e outras mais.) chegávamos à doce conclusão de que éramos cabalmente insignificantes, e sorríamos, felizes e tristes simultaneamente?
Pois bem, de tanto repetir tais pensamentos, eles fazem hoje (ou talvez, desde que nasci) parte de mim, se infiltraram e agora, me sufocam. Nada de novo há debaixo do céu. Para mim, é uma desistência. Capitulação. Meu ânimo se exauriu completamente – mas, não é o fim, como já alertei acima, tudo seguirá, inclusive eu, de outra forma, saltado de minha pele.
Meu amor, já não suporto a felicidade, em mim e nos outros, pessoas alegres me irritam! Parece que durmo e acordo com essa tristeza vazia e inflada, ainda que coma bananas, feijão preto, saladas coloridas ou tome vitaminas para o ânimo, ela não se vai.
Por isso que é chegada a hora de partir, de ir a um lugar que está reservado a mim, aceitar o destino que me cabe, e então, flutuar, dormir, sentir o sangue de novo.
Escrevo tudo isso, tentando não a magoar, apesar de pressentir que já o fiz na primeira linha. Paciência. Isso também passará. Sigamos, não há outra opção.
A jangada está diante de mim, partirá comigo para outra encarnação.
Acabou.