A CAMINHADA CONTINUA...

NA CASA DENTÁRIA - UM SALTO À FRENTE

O proprietário era o Sr. José Pedro de Moraes, que morava na Rua Oscar Vidal e era muito conhecido no ramo e tinha a prima Zilda, como braço direito na administração da loja, que era na Rua Halfeld, defronte ao antigo Cinema Palace.

Eu, menino de 14 anos, trabalhava em serviços diversos, desde ir fazer limpeza no Consultório de Dentista dos filhos dele, Oney e Alacyr, que era situada no Edifício Clube Juiz de Fora, levar e buscar produtos e materiais dentários nos consultórios de clientes, manter a limpeza dos balcões, de um lado produtos de odontologia e de outro produtos de ótica e ajudar os técnicos, Salvador e Vander, a montar as lentes nas armações de óculos e também na máquina de fotocópias (mãe ou avó das xerox, scaners atuais) onde se despejavam produtos numa bandeja e se mergulhava a folha, que aos poucos ia mostrando as imagens no papel. Era como revelar uma fotografia e depois dependurar num fio, com pegadores, para secar...

O que mais gostava era de aprender a marcar as lentes dos óculos, que vinham grandes, nos moldes das armações dos óculos e depois com uma ferramenta de diamante, riscar, cm canetas, nas marcas e com uma turquês ou alicate, ir roendo as laterais e quebrando aos pedacinhos o excessos do vidro das lentes. Uma vez testado o tamanho nas armações, era a vez de ir para uma pedra circular, como que de amolar, que ligada na eletricidade, ficava girando, onde uma torneirinha pingava água e os técnicos em ótica mencionados iam posicionando as lentes, moldando-as às armações. Era um serviço meticuloso e preciso e eu ficava de lado olhando e entregando uma e outra ferramenta que pediam.

Uma vez acertadas as beiradas, amolecia a armação num recipiente, como um secador de cabelos e encaixavam-se as lentes, sob pressão. Pronto, estava concluido mais um óculos. Era conferir o grau e entregar ao cliente.

De tanto ver isso e acompanhar atentamente até aprendi o ofício, mas que não durou muito tempo... A sorte, ou a vida, estava já me encaminhando para novas jornadas.

Eu era benquisto por todos, por lá e gostava do serviço. Era esperto e eficiente.

Mas, dois acontecimentos foram merecedores de mencionar nessa época da CASA DENTÁRIA.

Um belo dia, aconteceu um acidente comigo lá nos fundos da loja, que era bem extensa. Numa armação de madeira, bem robusta, um dos rapazes, mais fortes, encaixava um botijão de gás desses de 13 quilos, de cabeça pra baixo e minha função era de esticar a mangueira do registro que saía lá do alto e enroscar em botijões menores, de um quilo, para encher de gás. Pesava um quilo, cada um. Conferido o peso, fechava o registro e arredava o botijãozinho para um canto e encaixava outro e assim sucessivamente até acabar o gás. Tudo pronto, havia de ter 13 botijões de um quilo enfileirados e o grande botijão de cima, vazio.

Assim era e eu ia entregar nos consultórios dos Dentistas, cada um seu botijão. Além do gás, eu levava os pedidos deles: dentes para dentaduras, remédios, etc...

Guardo até hoje o nome de alguns deles, além do Oney e Alacyr, o Dr Otagor Cabral, Dr. Brites, Dr. Ataliba Duarte Pacheco ...

Bem, eu estava lá no terreno do fundo da loja, no meu mister de encher os botijões de gás, quando abri o registro de baixo, desencaixou a mangueira do registro de cima e um jato de gás desceu repentinamente pelos meus braços, pois tentava fechar o registro e me deixou com os braços como os de uma Múmia. Congelados, enrugados e sem cor. o susto foi tão grande que devo ter gritado tanto, que vieram todos: Sr. Moraes, a Zilda, o Salvador... e vendo o quadro, me afastaram do gás, que continuava a descer e deram um jeito de me salvar, dando-me um banho de mangueira e todos assustados e cada um dando uma solução para me ajudar. Só sei que fiquei paralisado, como que anestesiado, por um longo tempo. Isso foi pela hora do almoço e somente por volta de 18 horas, depois de permanecer deitado com um cobertor por cima é que consegui me levantar e ir para casa. Levar para o Pronto Socorro, chamar o SAMDU? Nada disso, resolveram tudo lá na loja mesmo...

Numa outra ocasião, o Dr. Oney, queria fazer um aquário e tendo em casa um desses vidros grandes, que ficavam à porta das lojas para as pessoas descartarem seus óculos sem uso, pediu para eu ir buscar esse tal vidro, lá na casa dele, na Rua Oscar Vidal e trazer para a loja. De lá, ia levar na oficina do "Ganha Pouco" para cortar ao meio e assim teria seu aquário. Missão dada... lá fui eu. Chegando lá, a Dona Carmem, mãe dele olhou para o vidro, olhou para mim e perguntou: - Mas você vai levar esse vidro, como? Ele é muito grande e pesado e você ... Aquela frase incompleta, mexeu com meus brios... Com uma mão segurando no pescoço do vidro/garrafão e a outra nos fundos dele, dei um galeio e consegui posicioná-lo no ombro. E lá vinha eu, trôpego, pela Av. Rio Branco e quando ia chegando perto da Rua Halfeld, nas imediações do prédio da Prefeitura, resolvi atravessar a Avenida para o outro lado, bem defronte a atual loja da ARPEL.

Já estava com os braços e pernas tão cansados, que não aguentei e ao tentar acessar o passeio, o bico do meu sapato tropeçou no meio-fio e eu caí, "de todo tamanho" no chão.

O vidro se espatifou no piso do passeio e eu também. Foi um estrondo que chamou a atenção dos que passavam e formou-se uma aglomeração no entorno. Me levantaram e eu vi que meu dedinho estava cortado e sangrando. Tirei meu lenço do bolso (naquela época era de lei levar um lencinho no bolso), enrolei o dedo, saí de fininho e passando para trás do povo, fiquei olhando por sobre os ombros das pessoas, com a mão no bolso, enrolada no lenço.

Uns me perguntaram, o que houve, o que aconteceu? Eu respondia: Não sei, cheguei agora... e sai, descendo a rua Halfeld, até chegar na loja.

Foi só eu chegar e logo, pela minha cara perguntaram o que havia acontecido. Eu falei e mostrei minha mão ensanguentada. Correram a me limpar e fazer curativo, enquanto o Sr. Moraes foi ver o estrago lá na esquina da Av. Rio Branco com a Halfeld...

Enquanto trabalhava de dia, estudava à noite, na Escola de Comércio São Jorge, lá na Rua Barbosa Lima, onde aprendia caligrafia, datilografia e serviços de Escritório em geral...

Já estava se aproximando o fim do ano de 1961 e eu trabalhando de dia e estudando à noite, durante o ano todo. O Diretor da Escola era o Professor Salim Saleh e seu filho Octávio Saleh, Professor e coordenador e a Professora Galiana.

Eu me esmerava em aprender bem depressa, pois sabia que dependia disso para conseguir um trabalho de escritório. Diziam, lá, que os Empresários apareciam na Escola num repente e ficavam observando o desempenho dos alunos e conversando com os Professores. Diziam até que alguns, mesmo antes de concluirem o curso já arrumavam empregos até em Bancos...

Na loja, apareceu um garoto, mais ou menos da minha idade, filho de um dentista (gente rica) que foi admitido para trabalhar lá, no serviço da Ótica, pois o Salvador iria sair para se casar e talvez voltar para a terra natal dele, o Pernambuco. Esse menino e eu entabulamos amizade e conversávamos muito. Ele já estava terminando o Ginásio e eu ainda nem começara, pois que desde o término do Primário, em 1956, não estudara formalmente, nada. Só gostava de ler e fazia o curso noturno na Escola São Jorge, trabalhando de dia.

Certa dia, soube que na Escola Normal ia abrir provas de admissão ao Ginásio e falei com ele da minha vontade de estudar o Ginasial lá naquela grande e suntuosa Escola. Ele, sabendo de minhas origens humildes de carregador de almoço, engraxate, vendedor de papel usado e afastado dos bancos escolares por tanto tempo, foi logo me desanimando: O quê? Você estudando lá? Impossível, não é pra seu bico. Além de ser muito difícil, não é ambiente para você! Se no fundo do poço tivesse um alçapão, lá estaria eu...

Pensei comigo, mas não verbalizei: - É, então tá, vamos ver se consigo ou não.

Eu e meu irmão Waldyr, (ele trabalhava na Fábrica de Tecelagem Santa Cruz) resolvemos estudar num livro ADMISSÃO AO GINÁSIO e partimos para a prova, com fé e coragem...

Passamos nos testes e fomos admitidos ao Ginásio noturno, que começaria em 1962 e concluímos o curso em 1965.

Nesse interím, lá na Escola São Jorge, a Galiana me apareceu com a melhor notícia para minha vida, até então. Eu não o havia notado, mas, ela me disse que apareceu lá na Escola, na hora da aula de datilografia, um senhor bem vestido, um advogado, que ficou me observando e depois pediu para ver meus cadernos de caligrafia e "Borrador" e que tivera boa impressão de mim e queria me contratar.

Apesar de não ter concluido o curso, iria trabalhar de dia e continuar o curso à noite, até o fim do ano e participar da formatura.

Era para me apresentar na Av. Raul Soares, 18, nos Armazéns do Moinho da Luz e procurar o Dr. Edson de Oliveira Miranda, o Advogado.

Imaginem só o que me aconteceu quase que de uma tacada só: - Levei uma traiçoeira facada pelas costas, de "meu colega", estudei e passei nas provas de Admissão ao Ginásio, apesar de afastado de estudos formais por quase cinco anos e fui contratado para trabalhar em um escritório de uma empresa, "LEONILDO REGADO REPRESENTAÇÕES LTDA" que representava o MOINHO DA LUZ, uma grande empresa que fornecia farinha de trigo para a maioria das padarias de Juiz de Fora e região e isso tudo aos 15 anos de idade.

Voltei, antes de começar o novo emprego, na loja do Sr. Moraes, CASA DENTÁRIA e contei para todos, com a prima Zilda ao meu lado, da minha conquista e fui cumprimentado por todos, inclusive por esse "meu pseudo amigo", que com um sorriso amarelo, apertou a minha mão e saiu de fininho.

A prima Zilda não cabia em si de contentamento, ao contar para minha mãe, prima dela, daqueles momentos. E eu podia sair direto, sem dar aviso prévio (nem me pediram) visto que nem era empregado registrado em carteira.

Eu estava e era um afortunado, apesar de tudo e de todos...

segue: