DEZ DEDOS FURADOS

10 DIAS - 10 DEDOS FURADOS

Éramos três meninos mais ou menos da mesma idade, sendo eu, com quase 14 anos, o Waldyr Bento e o Ducal. Já estávamos na idade de deixar a atividade de "carregador de almoço" para os trabalhadores nas Fábricas, na cidade e precisávamos de arranjar um emprego, numa empresa e trabalhar de "carteira assinada". Certo é que deveríamos trabalhar mais, um expediente inteiro, uma jornada de trabalho das 07 as 16 horas, com uma hora de almoço, como era praxe. Mas o salário seria melhor e assim poder ajudar mais em casa. A família era grande e as necessidades também.

Resolvemos então, sairmos juntos e andar pela cidade procurando trabalho. Andamos, andamos e o primeiro a obter sucesso foi o Ducal. Menino magro, grande, negro e aparência de aguentar o tranco. Estávamos passando por uma obra de construção de um prédio e ele, sem mais nem menos se dirigiu ao encarregado e perguntou: - Moço, tem uma "beirada" aí para nós?

O homem olhou para o trio e falou assim: Sabe virar massa e servir ao pedreiro? E ele respondeu, sim, eu sei, já fiz isso... Ele já ficou por lá na obra e nós seguimos caminho. Aquele serviço era bruto demais para nós dois, o Bento e eu...

Já passava da hora do almoço quando chegamos lá na rua do Cinema Rex, no Mariano Procópio e vimos vários homens sentados no passeio defronte a LUZAR FÁBRICA DE AZULEJOS E MECÂNICA, onde já trabalhavam nossos amigos o Octacílio Munck e o Paulinho Jurema.

O Paulinho fora recentemente admitido como aprendiz de Torneiro mecânico, mas o Octacílio já trabalhava lá há mais tempo e nos apresentou ao Encarregado, o Pedrinho Gasparetto. Ele, muito sorridente, olhou para nós e falou que na secção dos azulejos poderia nos colocar para um período de teste, pois o serviço era bem difícil e se tudo desse certo...

Dito e feito. No dia seguinte, começamos a trabalhar na Fábrica. O Waldyr Bento, que possuía braços maiores e ele era maior que eu, foi para a PRENSA e eu fui designado para a MÁQUINA DE POLIR AZULEJOS.

Haviam duas PRENSAS e o Waldyr mais um trabalhavam com elas. Era uma máquina estranha, grande. Uma fôrma de ferro se abria e eles jogavam a massa lá dentro e fechavam a forma com presilhas e a posicionava numa base abaixo, na altura dos joelhos. Um grande eixo, com uma rosca sem fim, ficava fixada no centro da máquina, no alto e uma corda bastante grossa pendia de um lado de uma guia de ferro. O Waldyr levantava o braço esquerdo (ele era canhoto) e dava um forte puxão e uma base descia lá de cima e caia sobre a forma lá em baixo, apertando tudo. Afrouxava o eixo sem fim e a forma era levada por outro menino, que a desarmava e levava para um forno para secar.

Meu trabalho. Com os azulejos já frios, enfileirados no chão, eu ia, pegava um a um e colocava sobre a base de uma máquina, com cinco braços, como um polvo. Era uma máquina de polir os azulejos. Posicionados os azulejos, esparramava uma areia fina sobre eles e abria uma torneirinha que pingava água sobre a superfície deles, enquanto uma peça rotativa esfregando, ia polindo a superfície deles, produzindo um mingau branco que escorria pelos lados. Depois de um certo tempo, desligava a máquina e retirava um a um os azulejos e levava para um tanque fundo, cheio d'água onde eles ficavam mergulhados, enquanto eu iniciava uma nova tarefa de ir buscar os azulejos, colocar na máquina polvo, polvilhar a areinha e abrir o pinga-pinga.

Depois eu ia tirando, um a um do tanque, lavando num jato d'água e posicionando numa área limpa, longe dali. Estava completo o meu ciclo de trabalho.

O problema é que para lidar com o vai-vem de mergulhar as peças no tanque e depois tirar, me deram um par de luvas de borracha, que ia até os cotovelos e o tanque era fundo. Quando eu mergulhava as mãos dentro do tanque, os que ficavam no fundo me obrigava a afundar mais os braços, o que facilitava a entrada de água nas luvas e o atrito dos azulejos sujos com o mingau do polimento, com minhas mãos, acabava por furar a ponta dos dedos ao segurar as peças que escorregavam.

Meus dedos não aguentaram mais que dez dias nesse serviço e decorrendo esse lapso de tempo, fui reclamar com o encarregado, um menino mais velho que nós, o Jacaré, mostrando minhas mãos e dedos, feridos, não tive resposta e chegando em casa, mostrei meus dez dedos feridos para meus pais e dizendo: Assim não vai dar mais para continuar o trabalho. Só tenho dez dedos e todos eles feridos e enrolados em panos. Então resolvemos que iria esperar curar as feridas e procurar outra ocupação.

O Waldyr Bento, na prensa, se queixava dos movimentos braçais para puxar a corda e movimentar descendo o eixo "sem fim", mas, já ia se acostumando e continuou mais tempo no serviço, e o Paulinho Jurema na oficina de torneiro mecânico ia bem...

A prima de minha mãe, a Zilda, que trabalhava numa loja na Rua Halfeld que se chamava CASA DENTÁRIA, onde atualmente tem uma agência do BRADESCO, ia sempre lá em casa nos visitar e vendo a situação, falou pra Mamãe que iria tentar me levar para trabalhar na loja, com ela e logo, logo me arranjou serviço na loja, que de um lado atendia um balcão com artigos para dentistas e de outro lado da loja um balcão que vendia produtos de ótica (óculos, lentes...) Segue...