Entre Sem Bater - A Festa dos Ratos

Um Provérbio Russo diz:

"... sem um gato, os ratos se sentem livres ..."(1)

Provérbios, sejam eles de qualquer cultura, demonstram como pode ser a concepção moral de um povo. Como a maioria dos provérbios cuja origem são culturas milenares, são excepcionais formas de reflexão. No caso dos provérbios russos, existe até uma grande diferenciação entre provérbio e ditado, o que não ocorre noutras culturas. A interpretação de um provérbio não pode se contaminar ou deteriorar com o tempo, contudo pode perder muito em culturas distintas. Provérbios e ditados russos são, sem dúvida, expressões que se aplicam, atualmente, em muitos contextos.

OS RATOS

Os ratos são, inquestionavelmente, uma espécie de animal(*) que poucos gostam, especialmente os ratos que se proliferam sem controle. Até lendas e fábulas tratam os ratos de maneira a que tenhamos maior cautela e prevenção com os bichos. Desse modo, qualquer que seja a cultura, as analogias e comparações não são elogios.

Estes bichinhos não trazem nenhum benefício para a humanidade, pelo contrário, são contumazes na proliferação e acirramento de doenças. Assim sendo, nada mais natural do que artistas, especialmente da música, façam analogias como no provérbio russo.

LETRAS DE MÚSICA

O Tempo(2) Não Pára (Cazuza)

... A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas ideias não correspondem aos fatos

O tempo não para ...

Bichos Escrotos(3) (Titãs)

... Bichos!

Saiam dos lixos

Baratas!

Me deixem ver suas patas

Ratos!

Entrem nos sapatos

Do cidadão civilizado ...

Ratos e Urubus (GRES Beija Flor 1989)

... Sai do lixo a nobreza

Euforia que consome

Se ficar, o rato pega

Se cair, urubu come ...

Rat Race (Corrida Por Dinheiro e Poder) (Bob Marley)

... Corrida vazia

Estou cantando

Quando os gatos saem

Os ratos fazem a festa

A violência política enchem sua cidade

Sim! ...

Em suma, os letristas destas música passam a mensagem, sempre, associando coisas degradantes aos ratos, ou quem age como eles. Alguns ditados e provérbios são difíceis de encontrar a origem, contudo, muitas culturas adotaram o mesmo bicho para traduzir coisas ruins.

Um destes provérbios ou sabedoria popular é, certamente, do conhecimento da maioria dos brasileiros:

"Os ratos são os primeiros a abandonar um navio quando este está afundando". A curiosidade fica por conta de quem comprovou esta sabedoria se o navio afundou?

FESTA DOS RATOS

Quando Bob Marley ou Cazuza fazem em suas letras de música, referências aos retos, certamente inspiram-se na vida real. E, a vida real torna-se, notadamente, uma repetição de coisas boas e ruins, um verdadeiro Déjà Vu.

VIGIEM OS RATOS

O provérbio russo remete à ideia de que, na ausência de vigilância ou controle, os usurpadores encontram um espaço para agir livremente. No caso dos ratos e dos criminosos, notadamente de maneira prejudicial à coletividade. Essa metáfora, que já atravessou séculos, encontra um paralelo inquietante no cenário das redes sociais contemporâneas. Decerto, a proliferação de comportamentos tóxicos, desinformação e discursos de ódio transformou o espaço digital numa "esgotosfera".

A frase  "tua piscina tá cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos", reproduz a ideia de que temos muitos ratos e poucos fatos.  Em outras palavras, o "rato" simboliza não apenas a corrupção das ideias, mas também a decadência moral e a distorção da realidade. Assim sendo, as maldades encontram terreno fértil em um ambiente onde a verdade é maleável e a vigilância é escassa.

Do mesmo modo, numa "piscina" com muita contaminação, os ratos proliferam na ausência de um gato ou de vigilância. Por isso, as redes sociais estão se consolidando como um espaço de desordem e degradação da sociedade.

E, como se não bastasse, na nossa sociedade fica a questão de "... quem vigia o vigia ..."?

REDES SOCIAIS

As redes sociais, originalmente para servirem de plataformas de interação e troca de ideias, estão sob domínio dos "ratos". Eles se travestem, por exemplo, em: trolls, haters, stalkers, disseminadores de fake news, propagadores de ódio, dentre outros.

Certamente contam com a ausência ou omissão de um "gato" - seja ele uma figura de autoridade ou um sistema eficaz de moderação. Adicionalmente, uma comunidade vigilante evitaria que esses elementos prejudiciais se multiplicassem. Contudo, eles aumentam a cada dia, como ratos, transformando o que deveria ser um espaço de convivência saudável em um ambiente insalubre. Nestes espaços, virtuais e até reais, a desinformação e a negatividade correm soltas e granjeiam muitos votos.

SEGUE O BAILE

Neste contexto das redes sociais, quando os mecanismos de controle são ineficazes ou ausentes um rato vira ratazana. E, surpreendentemente, aqueles que se dedicam a corroer o tecido social encontram um espaço livre para agir. A proliferação de fake news, teorias da conspiração e discursos de ódio nas redes sociais é uma consequência direta dessa falta de vigilância. E, inquestionavelmente, cada um que ajuda estas ratazanas é responsável direto pela proliferação.

Enfim, sem "gatos" - sejam eles moderadores, regulamentações ou usuários responsáveis - os "ratos" assumem o controle de tudo. Transformando o espaço digital e, é provável que até espaços reais, em uma esgotosfera incontrolável.

Contudo, é importante notar que, ao contrário dos espaços físicos, a presença de um "gato" pode ser visível e tangível e inibidora. Por outro lado, no mundo digital a vigilância e o controle são mais sutis e complexos. A moderação de conteúdo, o combate à desinformação e a promoção de um ambiente saudável exigem uma combinação de tecnologias. Tecnologias estas que, notadamente, sofrem com a indiferença de muitos usuários que se rebelam contra a vigilância.

Podemos dizer, com elevado grau de certeza, que as pessoas preferem ser omissas e seletivas quando o assunto é a sua piscina cheia de ratos. Ou, como se não bastasse, continuam proporcionando aos ratos as festas que são a ruína de muitos.

GUARDIÃO

Com toda a certeza, uma regulamentação eficaz e a participação ativa dos próprios usuários melhora qualquer ambiente. No entanto, essa responsabilidade desaparece em um ambiente onde o anonimato e a falta de consequências protegem "ratos" prósperos.

Portanto, o aumento dos comportamentos nocivos nas redes sociais, que transformam o espaço digital em uma esgotosfera é péssimo. Ou seja, é, sobretudo, uma inequívoca manifestação contemporânea do antigo provérbio russo. Sem um "gato" para manter os "ratos" sob controle, as redes sociais se tornam um terreno fértil para a proliferação de malefícios.

As ideias falsas, comportamentos tóxicos e a erosão dos valores nunca deveriam guiar a interação humana. A metáfora serve, sem dúvida, como um alerta para a necessidade urgente de mecanismos mais eficazes de controle e moderação. Desta forma, poderemos tentar reverter esse processo de degradação e restaurar a integridade do espaço digital.

Esta é, com toda a certeza, uma singela homenagem aos gatos, no "Dia Internacional do Gato Doméstico". Definitivamente, não aos ratos e suas festas com o sofrimento de humanos que não merecem. Os ratos não podem ser livres nunca, vida longa aos gatos, mais do que as tais sete vidas.

Em suma, precisamos de um guardião(4) que possa vigiar os vigias que exterminam a liberdade dos ratos.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Alguns leitores apressadinhos poderão argumentar que camundongos têm seus defensores. Entretanto, a apreciação por estes pequenos ratos é para que sejam cobaias ou sirvam de sacrifício. É melhor o leitor conter o açodamento e entender, ratos são ratos, sempre.

(1) "Entre Sem Bater - Provérbio Russo - A Festa dos Ratos" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/08/entre-sem-bater-proverbio-russo-a-festa-dos-ratos/

(2) "Entre Sem Bater - Provérbio Chinês - O Tempo e o Caráter" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/05/entre-sem-bater-proverbio-chines-o-tempo-e-o-carater/

(3) "Bichos Escrotos - A Profecia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2019/12/03/bichos-escrotos-a-profecia-3/

(4) "Entre Sem Bater - Juvenal - O Guardião" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/02/entre-sem-bater-juvenal-o-guardiao/