Entre Sem Bater - Eternamente Tolo

Um Provérbio Africano diz:

"... apenas um tolo testa a profundidade de um rio com os dois pés ..."(1)

Provérbios africanos(*), como a maioria dos provérbios cuja origem são culturas milenares, são excepcionais formas de reflexão. Contudo, no caso dos africanos, a maioria origina-se de tribos completamente diferentes e com cultura sob influência de seu meio ambiente. Desta forma, a interpretação de um provérbio africano pode parecer simples atualmente, mas carrega complexidades inimagináveis. Entre a infinidade de provérbios africanos os mais significativos podem receber a transposição para todas as culturas do planeta. Estas características tornam cada provérbio, africano ou não, uma excelente forma de comparar culturas.

OS TOLOS

Qualquer cultura ou sociedade tem uma definição sobre o quão tolo é um de seus integrantes. Com toda a certeza, os níveis que diferenciam os tolos varia em cada uma destas culturas. Cícero, na antiguidade os classificou como aqueles de mente vulgar(2). É provável que pensadores e filósofos pré-socráticos não tiveram inspiração em provérbios africanos, e vice-versa.

O provérbio sobre o tolo africano carrega uma sabedoria atemporal que se intensificou na era digital. Esse ditado sugere que somente uma pessoa imprudente se arrisca cegamente sem avaliar os perigos ou desafios à frente. No contexto das redes sociais, essa sabedoria é particularmente pertinente e crescente. Em outras palavras, quem se aventura nas profundezas do mundo virtual sem cautela, torna-se eternamente um tolo.

ETERNAMENTE TOLOS

Em primeiro lugar, a promessa de conexão instantânea e facilidades de uso atraem, facilmente, o tolo para as redes sociais. No entanto, essa facilidade de acesso e a sensação de comunidade também criam um terreno fértil para fraudes e desinformação. Muitos usuários, especialmente aqueles menos experientes, confiam cegamente no conteúdo que encontram online. Desta forma, testam a profundidade do oceano digital com ambos os pés, com pouca preparação e sem colete salva-vidas.

Os golpes nas redes sociais variam em complexidade e método, desde esquemas de phishing até falsas ofertas de emprego. Em muitos casos, os golpistas exploram a ingenuidade e a confiança das pessoas, utilizando, inclusive, técnicas de engenharia social. Por exemplo, um golpe comum envolve perfis falsos que se passam por celebridades ou autoridades. Os golpistas aproveitam a confiança que os usuários depositam nessas figuras públicas para solicitar dinheiro, informações pessoais ou outros favores.

Essa tendência agrava-se pelo fenômeno da “bolha de filtro”, onde algoritmos das redes sociais personalizam o conteúdo de um tolo. Por exemplo, um destes incautos segue uma subcelebridade que recebe uma fortuna para divulgar o "jogo do tigrinho". O tolo entra de cabeça, perde muito dinheiro e ainda quer convencer seus amigos que sabe tudo de redes sociais.

CONTUMÁCIA

Assim sendo, com base nos interesses e comportamentos anteriores das vítimas, a chance de um tolo evoluir é mínima. Esse comportamento cria uma espécie de câmara de eco que reforça crenças e opiniões existentes.

Dentro dessas bolhas, o tolo não questiona o que vê e lê, pois o conteúdo que consome é uma validação da sua visão de tudo. Desta forma, quando um golpe ou informação falsa aparece, é mais provável que acreditem sem questionar. Este condicionamento é típico do tolo, que confia no conteúdo que lhe parece mais próximo da sua capacidade cognitiva.

Além disso, fatores como a busca por validação e aceitação leva, surpreendentemente, o tolo a ignorar sinais de alerta. A necessidade de se sentir parte de um grupo faz com que os tolos pulem com os dois pés no rio. Desse modo, o tolo ou aquele que quer ser mais esperto, pode compartilhar informações sensíveis ou clicar em links suspeitos, sem pensar antes. Essa pressa para se engajar, sem dúvida, compara-se a testar a profundidade do rio com ambos os pés, sem considerar as consequências.

FRAUDES E GOLPES

Como se não bastasse, os aproveitadores também se alimentam da empatia e da generosidade de um tolo ou inocente útil. Golpes emocionais, como pedidos de doações para causas falsas ou histórias comoventes se proliferam. A combinação de desejo de ajudar e a falta de verificação das informações induzem ao engano.

Por outro lado, a educação digital que mitigaria estes problemas e riscos, não tem incentivo. Assim como o provérbio africano e a cautela, os tolos das redes sociais devem avaliar criticamente onde entram e o que consomem. Isso inclui verificar a autenticidade de perfis e informações, ser cético em relação a ofertas que parecem boas demais para ser verdade. Ser consciente dos próprios vieses e fraquezas é, inquestionavelmente, um comportamento básico para evitar manipuladores e golpistas.

É essencial promover uma cultura de questionamento e verificação, onde os usuários não aceitam passivamente tudo o que está online. Ferramentas como verificadores de fatos e extensões de navegadores que identificam sites suspeitos podem ser úteis. Entretanto, a mudança mais significativa vem da conscientização e da educação digital.

Usuários céticos são menos propensos a cair em golpes e mais capazes de navegar o mundo digital com segurança, deixando a pecha de tolo.

MUNDO DIGITAL

O provérbio africano, certamente sugere a importância de buscar orientação antes de se aventurar em territórios que não conhecemos. Na era digital, isso traduz-se por seguir influenciadores e fontes de informação confiáveis que promovam boas práticas online. Além disso, compartilhar experiências de golpes e armadilhas nas redes sociais pode ajudar a criar uma comunidade com um traço de inteligência(2).

Em suma, o provérbio africano nos lembra da importância da cautela e da preparação para todas as ações. No contexto das redes sociais, essa sabedoria é mais relevante do que nunca e nos remete a fazer reflexão e pensar sempre. O tolo que navega nesse vasto e às vezes traiçoeiro oceano digital sem precaução, torna-se vulnerável a golpes e manipulações.

Um rio digital é, afinal, sempre profundo e imprevisível, e somente aqueles que o abordam com respeito e prudência evitarão as suas correntes ocultas.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Provérbios tem uma difícil identificação de autoria. A maioria deles tem versões bastante semelhantes em culturas completamente diferentes. No caso dos provérbios africanos são muitas as tribos em toda a extensão daquele continente.

(1) "Entre Sem Bater - Provérbio Africano - Eternamente Tolo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/07/entre-sem-bater-proverbio-africano-eternamente-tolo/

(2) "Entre Sem Bater - Cícero - Os Tolos aka Mente Vulgar" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/23/entre-sem-bater-cicero-os-tolos-aka-mente-vulgar/

(3) "Entre Sem Bater - Nikola Tesla - Traço de Inteligência" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/11/03/entre-sem-bater-nikola-tesla-traco-de-inteligencia/