Entre Sem Bater - A Reputação do Inimigo
Um Provérbio Árabe diz:
"... julgue um homem pela reputação de seus inimigos ..."(1)
Provérbios árabes, como a maioria dos provérbios cuja origem são culturas milenares, são excepcionais formas de reflexão. Contudo, no caso dos árabes, a maioria alinha-se com o Alcorão. Desta forma, a interpretação de um provérbio árabe não se contamina ou deteriora com o tempo, pelo menos para eles. Desta forma, busca-se sempre alguma inspiração e orientação nos belos provérbios árabes que resistem ao teste do tempo(2). Entre os muitos provérbios árabes belos e significativos, um dos com mais repetições é “Al sabr khayr min al shahr”. Uma das traduções é simples ( “A paciência é melhor que a sorte” ) que pode, no entanto, adquirir outras significações e interpretações.
A REPUTAÇÃO
A cada texto da série "Entre Sem Bater", quando a autoria tiver atribuição de provérbio, terá a referência a qual cultura se refere ou originou-se. Desse modo, quando se tratar de algum provérbio com origem em alguma religião, outras referências terão aplicabilidade. Alguns livros religiosos, como o Alcorão, reproduzem traços culturais destes provérbios. Assim sendo, torna-se muito difícil saber a origem e a interpretação de provérbios culturais. Em outras palavras, um provérbio sobre algum tema, como a reputação, pode ter pequenas variações de uma cultura para outra. Adicionalmente, poderá ter adaptações que perdem a essência da ideia e da cultura original.
REPUTAÇÃO DO INIMIGO
Com toda a certeza, esse antigo provérbio árabe reflete uma época em que as relações pessoais e os conflitos tinham outras métricas. A reputação de um homem não se construía ou se desfazia em segundos, como atualmente. Os inimigos, e até mesmo alguns que aparentam ser amigos, não perdoam com brincadeiras que podem destruir qualquer um.
A honra e a desonra eram importantes na estrutura social onde a palavra e os atos eram os pilares do caráter(3) de um indivíduo. Vivemos, contudo, em um mundo drasticamente diferente, onde a reputação se destrói em segundos por um simples clique ou um compartilhamento. A era digital trouxe consigo um novo paradigma de julgamento, muitas vezes cruel e impiedoso.
Desta forma, levantam-se questões como: Existe salvação para os julgamentos covardes e apócrifos na sociedade moderna?
A REPUTAÇÃO NO MUNDO DIGITAL
A era da informação digital e das redes sociais criou um ambiente onde as percepções sofrem alterações instantâneas. A reputação, que construía lentamente e com base em interações diretas e testemunhos, não existe mais. Atualmente, qualquer rumor, fake news, ou mal-entendidos que algoritmos amplificam privilegiam o sensacionalismo.
Em suma, o "tribunal da opinião pública" tem acesso a ferramentas poderosas que transformam um pequeno erro em desgraça. Como se não bastasse, uma acusação sem fundamento, se torna uma mancha permanente na vida de qualquer um.
Enfim, nessa nova realidade, o provérbio árabe parece torna-se uma premonição ou um alerta ainda mais sombrio. Não se trata apenas de julgar pela reputação de um inimigo, mas de julgar com base em informações parciais e com distorções. A facilidade dos julgamentos e sua disseminação leva a um circulo vicioso de desinformação e preconceito, onde a verdade(4) é a primeira vítima.
JULGAMENTOS VELOZES
Os julgamentos covardes prosperam em um ambiente onde a velocidade de disseminação da informação supera a capacidade de verificação. As redes sociais, ao democratizarem a voz e a opinião, também democratizaram a irresponsabilidade e os crimes virtuais. Comentários maldosos, memes difamatórios e campanhas de cancelamento são sintomas de uma cultura contra a justiça, a honra e a reputação.
Em um contexto onde de destrói qualquer reputação em segundos, a pergunta sobre a salvação desses julgamentos se torna ainda mais pertinente.
É provável que exista espaço para o arrependimento, para a correção de erros, ou para a resiliência contra acusações sem fundamentação?
A SALVAÇÃO
Assim sendo, com este cenário sombrio, a pergunta é: há caminhos para a salvação e a justiça na era digital.
Em primeiro lugar, a educação digital é crucial, mas este processo está em franco declínio. Educar as pessoas a consumir informações de maneira crítica, verificar fontes e compreender o impacto de suas ações online é utopia. Em outras palavras, todos têm pressa e isso não reduz a propagação de julgamentos covardes.
Por outro lado, campanhas de conscientização sobre o impacto do cyberbullying e da difamação poderiam ajudar a criar uma cultura mais responsável.
Em segundo lugar, as plataformas digitais têm um papel fundamental, mas não demonstram interesse em melhorias reais. Podemos pegar, por exemplo, o Twitter com sua flexibilização para quem paga uma assinatura. Ou, surpreendentemente, a plataforma LinkedIn que era para estreitar relacionamentos profissionais e descambou para a política.
Inquestionavelmente, plataformas e apps deveriam melhorar os algoritmos para identificar e limitar a disseminação mentiras e discursos de ódio. Além disso, deveriam implementar mecanismos mais robustos para denunciar e remover conteúdos prejudiciais. Contudo, Se o número de usuários que gostam destas liberalidades aumentar, a plataforma se fortalece e deixa correr frouxo.
LEI E ORDEM
A legislação também precisa, sem dúvida, e em certa medida, acompanhar as mudanças tecnológicas. Contudo, leis mais rígidas, para ambientes tecnológicos não acompanham a evolução e o modus operandi das pessoas. A tipificação eficaz das leis antigas e das novas leis, podem atuar como dissuasão para muitos criminosos. A criação de tribunais com especialização em crimes digitais pode agilizar processos, mas não vai garantir que a justiça seja mais eficiente.
Por fim, a resiliência individual e coletiva, além da capacidade de cada pessoa em conter açodamentos, são aspectos vitais. As vítimas de julgamentos covardes precisam de apoio psicológico e legal para reconstruir suas reputações e vidas. A sociedade, como um todo, precisa valorizar a empatia, a paciência e a compreensão sobre a rapidez e a superficialidade dos julgamentos.
MÁ REPUTAÇÃO
O provérbio árabe sobre julgar um homem pela reputação de seu inimigo ganha novas camadas de complexidade na era digital. Entretanto a ideia central, mesmo com todas as modernidades, continua com sua validade.
A capacidade de destruir uma reputação em segundos exige uma reavaliação dos valores e práticas dos que têm má reputação. A salvação contra as atrocidades de nossos inimigos está na prevenção e na educação digital.
Com toda a certeza, os provérbios árabes são são de uma simplicidade e profundidade ímpar. Desta forma, transmitem mensagens poderosas em poucas palavras, mas que exigem contextualização. Muitos desses ditados partem observações da natureza e do cotidiano, refletindo a sabedoria que os árabes acumularam ao longo dos séculos ou milênios.
Eventualmente, A reputação dos inimigos ainda pode ser nosso melhor cartão de visitas, mesmo nestes tempos modernos.
"Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) Provérbios tem uma difícil identificação de autoria. A maioria deles tem versões bastante semelhantes em culturas completamente diferentes. Desse modo, é possível que qualquer provérbio receba adaptações e autorias diferentes.
(1) "Entre Sem Bater - Provérbio Árabe - A Reputação do Inimigo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/06/entre-sem-bater-proverbio-arabe-a-reputacao-do-inimigo/
(2) "Entre Sem Bater - Provérbio Chinês - O Tempo e o Caráter" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/05/entre-sem-bater-proverbio-chines-o-tempo-e-o-carater/
(3) "Entre Sem Bater - Abraham Lincoln - Caráter e Reputação" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/11/16/entre-sem-bater-abraham-lincoln-o-carater-e-a-reputacao/
(4) "Entre Sem Bater - Bertolt Brecht - A Verdade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/06/entre-sem-bater-bertolt-brecht-a-verdade/