DEVANEIO

Passava da meia-noite, os dois se entreolhavam ali, estáticos, sentados à mesa na varanda do apartamento, luz de velas formavam suaves penumbras e a lua, por sua vez, comportava-se como pérola leitosa repousada sobre um negro veludo cravejado de contas reluzentes, adornando ainda mais todo o cenário.

Ele somente a observava. Admirava timidamente o contraste de sua pele com a seda de seu vestido azul-marinho enquanto divagava coisas e tecia pensamentos. Ensaiou ainda algumas palavras, mas, ao perceber que estava sendo observado também, virou a cabeça rapidamente para as luzes esparsas da rua, cuja poeira cintilava tal e qual pó de ouro.

De repente, ao som de Just the way you are, ele nervosamente sorve um grande gole de vinho, respira fundo e a convida para dançar no pouco espaço que restava e ela, aliviada como quem esperava ansiosamente por isso, levanta, estende a mão e então, suspensos num momento quase etéreo, levitam seus corpos unidos ao embalo da música.

Ambos sentem os corações palpitando. As mãos estão frias, porém, uma corrente de vibrações num misto de medo e satisfação transita entre os dois e ele então começa a sussurrar a música ao ouvido dela que intimamente esboça um sorriso e exala uma vontade de quem deseja que o mundo pare naquele exato momento e se eternize até que, num determinado instante, ele se afasta, fica diante dela, mira seus lábios nos dela ao passo que ela estremece e então preparam-se para o momento esperado por ambos até que, implacavelmente, o despertador toca. É hora de acordar pra mais um dia de trabalho.

Sonhar não custa nada, mas, às vezes decepciona.

Demelirios Setenóva
Enviado por Demelirios Setenóva em 06/08/2024
Reeditado em 06/08/2024
Código do texto: T8122789
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