O fim do Aerosmith
Danos nas cordas vocais acabaram com a “maior banda de rock ‘n’ roll da América”. A voz de Steven Tyler era uma chama ardente que representava a vida do Aerosmith. Agora ela não está cintilante o suficiente para sustentar a banda. Em postagem no Instagram, na última sexta-feira (2), a página oficial do grupo musical de Boston anunciou a aposentadoria e disse que o vocalista passou meses se tratando com o objetivo de fazer a voz voltar a ter a qualidade que possuía antes da lesão.
“Nós o vimos lutando, apesar de ter a melhor equipe médica ao seu lado. Infelizmente, está claro que uma recuperação completa de sua lesão vocal não é possível”, afirma a página. “Tomamos uma decisão dolorosa e difícil, mas necessária - como uma banda de irmãos - de nos aposentar dos palcos de turnê”.
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Essa notícia me afetou negativamente. Há pouco tempo comecei a apreciar Aerosmith. Em um determinado momento de minha vida, percebi que queria ser jornalista musical. Como não possuo carreira na imprensa profissional, resolvi pesquisar jornalismo de música na universidade como uma via para me especializar nessa área jornalística. Escrevi um projeto de dissertação sobre crítica musical e fui aprovado em um processo seletivo para o curso de mestrado.
No entanto, somente a leitura de textos acadêmicos não iria me tornar um jornalista musical competente. Eu teria que ler livros sobre música escritos por jornalistas e, tão importante quanto, teria que escutar muitos discos. O meu interesse pelo rock naturalmente se intensificou. Há tantas bandas que eu tenho que escutar para auxiliar na minha formação. Entre as bandas clássicas está, é claro, Aerosmith.
Bastou ouvir o disco de estreia, Aerosmith, de 1973, para eu ser arrebatado pelo grupo musical. Mas quando procurei as resenhas da época, fiquei indignado com a injustiça. A Rolling Stone ignorou o álbum. Um crime! Houve críticos que fizeram avaliações negativas. Eles que se danem. Eu curti e faço questão de ouvir várias vezes. “Dream On”, por exemplo, é emocionante, que poderia tranquilamente servir como um hino da obstinação.
(Obs: alguns anos antes, eu havia escutado “Sing for the Moment”, do rapper Eminem. Na canção, há um sample de “Dream On”).
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Seria interessante se voltássemos no tempo para décadas antes de eu escutar “Dream On”. Mas, primeiro, uma revisita à nota do Instagram, em que a banda anuncia a aposentadoria. Há nela uma metáfora rica e interessante: uma “faísca de inspiração” tornou se fogo, isto é, tornou-se o Aerosmith e “está queimando há mais de cinco décadas”.
Essa faísca começou a ser criada em 1970 quando Tyler, vocalista da banda The Chain Reaction, ficou embasbacado com as performances de Joe Perry e Tom Hamilton, que eram membros da The Jam Band. Então, veio a proposta: Tyler sugeriu que os dois formassem uma banda junto com ele. Era o caminho para a faísca virar fogo. Ainda no início da década de 1970, Tyler, Perry, Hamilton e o baterista Joey Kramer começaram a tocar juntos e o Aerosmith começou a se formar. Porém, ainda era necessário um relevante elemento: o nome da banda.
O curioso é que o nome existia antes da banda. Quando estava no ensino médio, em 1968, Kramer escrevia o nome “Aerosmith” em seus livros. O nome é oriundo de um processo criativo envolvendo o título de um álbum lançado no mesmo ano. Em entrevista dada ao Ultimate Classic Rock, em 2019, o próprio Kramer explicou:
“Eu estava ouvindo um álbum na época, de Harry Nilsson, chamado Aerial Ballet. Estávamos ouvindo esse disco e comecei a realmente me empolgar com as letras. Começamos a brincar com a palavra ‘aerial’, e ‘aerial’ eventualmente virou ‘aero’ – eu não sei como isso aconteceu. Isso levou a mais trocas de palavras. “E era como Aeromind, Aerostar, Aero-isto, Aero-aquilo; e alguém disse ‘smith’ – Aerosmith? Uau! E a partir de então estava em todos os meus livros de psicologia e matemática do ensino médio. A pergunta era sempre, ‘O que é Aerosmith?’ E eu dizia às pessoas, ‘Quando eu sair do ensino médio, vou ter uma banda de rock ’n’ roll, e é assim que ela vai se chamar. E vamos ser grandes e famosos, e essa é a novidade.’ E todos diziam: ‘Oh, isso é muito legal, Joey.’”
Kramer cumpriu o que prometeu e um pouco mais. Como todos sabemos, Aerosmith não é apenas uma banda de rock ‘n’ roll, é uma das maiores da história. O anúncio da aposentadoria entristece os incontáveis fãs, mas a sua obra é impagável e o seu legado na música é gigantesco e valoroso.