Bar do Nariga

Bar do Nariga

Quem conhece os manezinhos da Ilha de Santa Catarina, Florianópolis, sabe que uma das coisas que eles mais gostam é de colocar apelido nas pessoas. Existe até um causo que corre na Ilha sobre dois amigos turistas que se hospedaram num hotel na principal rua da capital dos catarinenses. Um deles comentou com o outro que o ilhéu colocava apelido em todos que por ali aportavam. O outro não acreditou e disse que, mesmo depois de cinco dias, ele não teria apelido. Apostaram uma grana preta. O que achava que não ganharia apelido ficou no quarto e o outro saiu para se divertir. O do hotel se enclausurou, abrindo a janela de seu quarto algumas vezes ao dia para ver o burburinho dos transeuntes na Rua Felipe Schmidt. Ficava o resto do dia no seu apê e só descia para tomar café, almoçar e jantar dentro do prédio, sem colocar os pés na rua, já que no hotel tinha um excelente restaurante. Lá pelo quarto dia seu amigo, preocupado com o dinheiro que provavelmente perderia, foi conversar com dois nativos que ele reparara que estavam sempre por ali jogando dominó, tomando cafezinho e jogando conversa fora.

- Meus amigos, desculpem-me interrompê-los nesse vosso agradável bate-papo, mas eu preciso de uma informação.

- Pois não, pode falar, istepô.

- Vocês repararam no cara que está hospedado neste hotel, no quarto andar?

Os senhores, mesmo sem combinar, responderam em uníssono:

- O Cuco? Claro que sim.

Esse causo serve de abertura para explicar que em cada dez manezinhos, onze tem apelido.

No Bar do Nariga, por exemplo, frequentam o Carocha, Ligeirinho, Soleto, Genérico, Peitinho, Prefeito e o Musculoso.

O Bar do Nariga é bem típico, tem uma mesa de sinuca pequena, mesa de pebolim, caça-níquel e mesas para dominó ou carteado.

O Musculoso foi quem me narrou os dois acontecimentos que contarei a seguir, e jura, como bom pescador, que é tudo verdade.

Certa noite estava Peitinho numa mesa, sozinho. Diante da balburdia em que todos se encontravam, ele berra ao Nariga:

- Traz uma cerveja e um copo.

Nariga, mesmo atrapalhado com tanta gente no balcão traz a bebida e o copo. Peitinho enche o copo, dá um gole, mais outro e antes de acabar o conteúdo do copo, berra novamente:

- Nariga, me traz uma cerveja e um copo.

- Mas já tá aí, istepô.

- Eu estou pedindo outra, com outro um copo. E quero pra já.

Nariga, meio contrariado, vai até a mesa, abre a garrafa e a deposita juntamente com outro copo. Todos os que estavam no balcão passam a acompanhar os gestos de Peitinho. Ele pega dessa outra garrafa, enche o copo e toma-o todo, vagarosamente. Pega a primeira garrafa e repete os mesmos gestos, alternando as garrafas e consequentemente os copos. Prefeito, que era um dos espectadores, vai até a mesa do amigo, senta-se na cadeira ao lado e pergunta:

- Compadre, o que está acontecendo com o senhor? Está a beber duas cervejas em dois copos! E sozinho!

Peitinho, com a voz embargada, começa sua explanação:

- Sabe compadre, eu vim agora do Hospital dos Servidores, fui visitar o meu sobrinho e afilhado, o Tatu. Ele está nas últimas, está com câncer. Quando eu perguntei se ele queria alguma coisa cá de baixo ele me respondeu “Padrinho, eu só queria que o senhor fosse no Bar do Nariga e tomasse uma cerveja por mim”. É o que estou fazendo, essa é minha e aquela ali é dele.

Outra vez, nesse mesmo bar, começou uma discussão do porquê o Baiacu não ter mais aparecido na bodega.

Conversavam em voz alta o Soleto e o Pato, parecendo que estavam brigando.

Pato dizia:

- O Baiacu deve estar doente para não ter vindo mais no botequim.

Soleto respondeu:

- Aposto uma caixa de cerveja como ele não está doente.

- Tá apostado, retrucou Pato.

Continuaram a conversa e Pato comentou que Baiacu morava no final da Rua dos Ouvidores.

Soleto, com pompa de quem sabe de tudo, replicou:

- Que nada, ele não mora mais lá, ele se mudou para o Bairro do Itacorubi.

Pato não se conteve:

- Aposto mais um engradado. Onde já se viu, o Baiacu não tem filhos no Itacorubi, sempre morou aqui no Campeche, não era agora que ele se mudaria.

Soleto não contou tempo, apertou a mão do Pato, firmando a aposta e logo em seguida justificou:

- Faz um mês que o Baiacu se mudou para o Itacorubi porque é o tempo que faz que ele morreu e está enterrado lá no cemitério daquele bairro.

Nesse dia, todos beberam cerveja de graça, que passava na garganta arranhando por causa das penas do Pato.

Aroldo Arão de Medeiros

08/07/2006

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 05/08/2024
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