Em uma rua cheia de paralelepípedos
Olho pela brecha da persiana o homem que passa com seu cão. É um homem magro, calvo, triste, com seu cão pequenininho, bochechudo, cabeludo, lento, alegre e gordo. O homem calvo, magro, triste e seu cão cabeludo, alegre, gordo caminham sem pressa pela rua tranquila. Formam um bonito casal, adstritos em contraste harmonioso: o homem, o cão e o destino.
Os passos lentos, a calvície evidente, o olhar distante parecem evidenciar no homem os sinais do tempo. Envelhecera bastante desde a redemocratização ou será que já teria nascido magro, calvo e triste? Difícil chegar a uma conclusão definidora apenas olhando de longe, a partir de circunstâncias externas, a marcha do homem triste e seu cão alegre, cabeludo, gordo.
Observo a dupla, ao passo de passatempo. Fixo-me na imagem poética do homem magro, taciturno e calvo contrastando com a do cão alegre, gordo, cabeludo. O tempo parece não ter sido o mesmo para os dois: o homem carregado por uma tristeza visível, e o cão, impulsionado por entusiasmo contagiante, parece puxar seu dono para frente, para longe do mundo sombrio e incerto.
O homem, o destino e o cão, unidos em uma rua cheia de paralelepípedos. O homem parece querer paz; o destino não se sabe; e o cão? O que será que deseja, se já é alegre, gordo, cabeludo?
Talvez apenas a companhia do homem magro, triste, calvo.