A magia do bar

É certo que não existe um lugar específico para se fazer novas amizades. Isso pode acontecer em qualquer ambiente. Mas, temos que reconhecer, não existe local mais adequado que um bar para se comemorar as novas e ‘reidratar’ velhas amizades. Aliás, o bar não existe somente para encontros e comemorações.

Afogar mágoas, se livrar do estresse do dia a dia, tentar esquecer, mesmo que por algumas poucas horas, um amor não correspondido ou até mesmo anunciar aos ‘quatro cantos do mundo’ uma nova paixão são coisas comuns no cotidiano de um bar. “Era quase sempre numa mesa de botequim que eu me flagrava apaixonado por alguém”, dizia o poetinha Vinicius, ‘filho’ da ialorixá mãe Menininha do Gantois, e ilustre frequentador desse não menos sagrado ‘terreiro’ chamado bar.

A aura que cerca o bar é inspiradora. Figuras como Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran, Tom Jobim, Maysa e Cartola, só para citar alguns, fizeram boa parte de suas obras dentro de um bar, retratando grandes amores, traições, tristezas e alegrias.

O bar é o cenário perfeito para confissões e revelações. Quando se pretende alforriar provisoriamente a alma e o corpo deixando que eles perambulem em busca de liberdade, alegria e prazer é o botequim que logo se apresenta emprestando solidariedade irrestrita ao projeto, não importando as consequências nele embutidas. E é comum encontrarmos pelos botecos da vida ‘conselheiros’ especiais que ‘reencarnam’ personalidades como Freud, Neruda, Fernando Pessoa, Elis, Noel, Pixinguinha e outros gênios.

Coberto por telhas, lonas, palhas, ou aberto às estrelas, não importa, ele não sufoca, não tolhe, não castra. As coisas que lá são ditas, omitidas, feitas e desfeitas, pensadas e vistas são mantidas e protegidas ali por uma espécie de omertá do tempo-espaço. E quando para lá retornamos, como num entreato de uma peça sem ensaios, por incrível que pareça nos reencontramos com o nosso personagem, retomamos o texto e recomeçamos tudo de novo. É também essa doce liturgia que cativa.

Não quero aqui fazer apologia ao uso do álcool. Não, não é esse meu objetivo. Na imensidão do espaço lúdico aberto à alma, num ambiente transcendente, mágico até, de um bar, o álcool é somente um mero coadjuvante. Não é só ele que embriaga. A embriaguez começa com o motim dos sentidos. São eles que revelam a avidez da alma por emoção, que despertam desejos e provocam sensações fazendo com que cada um se afaste da realidade e viva sua fantasia na dimensão desejada.

Os encontros, o burburinho, a música, o vai e vem de pessoas, o tilintar de copos e garrafas, confissões e segredos, verdades e mentiras, risos e lagrimas, tudo isso compõem esse ambiente carregado de simbolismos e de energia humana. Aí, sim, com e por tudo isso nos sentimos excitados e verdadeiramente embriagados.

Não importa como eles sejam chamados: birosca, boteco, visgueira, botequim ou simplesmente bar, esse substantivo masculino cercado por consoantes, uma bilabial explosiva sonora e outra liquodental liquida tem no centro a vogal fundamental, a primeira letra do alfabeto. Essa definição não é minha. É de um letrado frequentador de bar, que já pediu a conta por aqui e partiu para o ‘andar de cima’. Um alagoano chamado Aurélio Buarque de Holanda.