DA JANELA DO SÓTÃO
PEQUENAS CRÔNICAS DO COTIDIANO
Tarde de domingo escandalosamente azul, 31/07/22
Ainda que precoces, abrem-se os junquilhos em meu jardim,em meu quintal.
Aprisiono-lhes numa foto e suas presenças delicadas e perfumadíssimas, remetem-me a um tempo distante.
Então...
Da janela do sótão daquela casa que ainda me é tão viva na memória, eu espiava a mansidão da rua do Fomento.
A primeira visão, antes de alcançar a rua , vinha do jardim de tia Flora que morava numa casa antes de se chegar à nossa.
Uma estrela gigante formada por tijolos colocados lado a lado, determinava o centro do jardim, depois , pelas laterais ao redor da cerca, os canteiros de cravos e outras flores, dividiam espaços com as roseiras – desnudas – com as podas de inverno.
Na estrela, touceiras abundantes de junquilhos – tais como estas que agora vejo em meu jardim – iam-se abrindo aos poucos em cachos e aquele cheiro chegava até onde eu estava.
Em pensamentos, do jardim à minha frente, eu criava uma praça na cidade grande e conseguia até colocar carros e transeuntes naquelas ruas entre estrela e canteiros.
A rua do Fomento bocejava preguiçosa naquelas tardes tão minhas,onde a única preocupação era esperar pelo café da tarde, reunir anzóis e tomar o caminho do riacho aos fundos do quintal.
Agora este cheiro !...Único, nostálgico, estas flores a atiçarem-me as lembranças.
A paciência das vacas ruminando a solidão das tardes à sombra dos cinamomos, o ruído choroso da porteira abrindo-se para a ordenha e o som cadenciado dos pedais da Vigoreli de titia na faina de produzir uma peça de roupa a mais.
A placidez daquela vila com tão poucas casas, as chaminés delatando o fogo ardente nos fogões a lenha e as campinas espíchadas na mansidão verde,conduzindo por carreirinhos uma comadre e outra em suas costumeiras visitas.
Ah ! Se o tempo voltasse, se os boletos e outros compromissos não nos enfernizassem... Se a vida tivesse a placidez daqueles tempos...
Juro !... Eu colheria um buquê a mais, daquelas flores, e o colocaria no mesmo mini vaso em formato de cisne que enfeitava a mesa de nossa sala.
Depois, feito um gato, tal qual aquele que espreguiçava-se sobre os travesseiros que tomavam sol na janela do quarto, ficaria à espera da mesmice dos conhecidos comentários naquela sala onde havia um vaso de begônias e os sorrisos escorriam em fotografias pelas paredes:
-Nossa !...Que cheirinho gostoso !
E a voz da mais velha vindo lá dos fundos da cozinha:
-São junquilhos !...
Os primeiros deste ano .