Entre Sem Bater - Um Repórter de Rock

Frank Zappa disse:

"... um repórter de rock é um jornalista que não sabe escrever, entrevistando gente que não sabe falar, para pessoas que não sabem ler ..."(1)

Com toda a certeza, Zappa foi um músico e artista completamente fora dos padrões que a sociedade consumista de hits acostumou-se. Suas qualidades e diversidade de produções o qualificam para proferir uma frase sobre o repórter de rock. É provável que muitos torceram o nariz para o que ele disse. Entretanto, podemos afirmar, sem medo de errar, que qualquer paráfrase substituindo repórter de rock por qualquer outra especialidade, é verdade.

Um Repórter de Rock

Todos os textos da série "Entre Sem Bater" tratam de pensamentos que são aplicáveis no cotidiano. Certamente, todos os leitores sabem que o mundo mudou e não somos indiferentes a estas mudanças. Por outro lado, a maioria das pessoas toma este ou aquele texto como pessoal, agressivo ou sem educação. Quando utilizo, por exemplo, a frase sobre o repórter de rock, a partir de frases de mau humor(*), é como uma licença poética. Entretanto, muitos leitores não vão além da leitura do título ou dos destaques da temática. Desse modo, perdem a grande oportunidade de usar o cérebro para reflexão mais do que os dedinhos para compartilhamentos pueris.

ROCK AND ROLL

Hoje não é o tal "dia do rock"(2), e o tema principal são os repórteres, inclusive o tal repórter de rock que Zappa referenciou.

Frank Zappa expressou, sem dúvida, um profundo descontentamento com a forma como a mídia retratava a cena do rock e seus artistas. Sua afirmação não é apenas uma crítica aos repórteres de rock ou a entrevista que ele concedia. Sua frase era, sobretudo, uma reflexão sobre a qualidade da comunicação e da percepção cultural daquela época.

Na década de 1960 e 1970, quando Zappa fez essa observação, a música rock estava em um ponto alto de popularidade. Era uma era de experimentação, rebeldia e transformação cultural. As bandas e artistas buscavam, com toda a certeza, quebrar normas e criar algo novo e provocativo.

No entanto, Zappa percebia que a mídia muitas vezes não acompanhava essa inovação, como ainda não acompanha. Em vez de aprofundar-se nas nuances da música e na complexidade dos artistas, o repórter da época era superficial e sensacionalista.

OPS !

Parece que somente as tecnologias mudaram e o repórter de hoje em dia pode ser qualquer um com acesso à Internet e às redes sociais.

SÉCULO XX

No século XX, Zappa via esses repórteres como incapazes de entender e transmitir a profundidade e a arte por trás do rock. Para ele, jornalista e repórter de rock eram apenas espectadores casuais, sem o conhecimento ou a sensibilidade para o cenário musical. Isso resultava em entrevistas banais, de péssima condução e divulgação. Alguns diriam que é provável que este era um "defeito" da precariedade e oligopólios dos meios de comunicação. Desse modo, era aceitável a ideia de que a verdadeira essência do rock se perdia nas páginas das revistas e jornais.

Como se não bastasse, Zappa critica o público que consumia esse tipo de jornalismo. Ao dizer que os leitores "não sabem ler", ele se refere à falta de discernimento crítico entre os fãs. Em outras palavras, quem aceita passivamente o que lê, sem questionar a veracidade ou a profundidade da informação, não sabe pensar. Essa passividade, anteriormente, contribuía para que a música e os músicos não recebessem a compreensão e atenção correta.

O descontentamento de Zappa com a mídia também reflete seu próprio ethos como artista. Certamente, sua música complexa e suas letras provocativas, que frequentemente desafiavam normas sociais e culturais ficaram de lado. Para um artista como Zappa, cuja obra exigia reflexão e entendimento, ter uma redução a clichês e estereótipos pela mídia era frustrante.

Contudo, será que estando em outro século podemos dizer que a democratização da mídia melhorou esta condição ? Frank Zappa, se estivesse vivo atualmente, poderia mudar sua afirmação? Outros artistas da atualidade conseguem o espaço para este tipo de pensamento?

PROFISSÃO REPÓRTER

O pensamento provocativo de Zappa reflete uma visão crítica sobre a integridade do jornalismo e a maneira como os repórteres. A princípio, o roqueiro pensava que as atitudes de um repórter comprometeriam valores éticos para ganhar atenção e vender histórias. Pulitzer, quando se referiu ao cinismo da imprensa(3) e seus efeitos sobre os leitores incluía, o repórter de Zappa,

No contexto de Pulitzer, o jornalismo era só com jornais e revistas, com suas limitações de divulgação extremas. Por outro lado, no século XX, o jornalismo tinha domínio dos  jornais e revistas impressas, rádio e televisão. A principal queixa de Zappa centrava-se no sensacionalismo e na inclinação de alguns jornalistas de acordo com interesses econômicos e políticos.

SÉCULO XXI

Assim sendo, avançando para o século XXI, a profissão de repórter mudou dramaticamente, como tantas outras, inclusive a de roqueiro. A ascensão das novas tecnologias e das redes sociais revolucionou a maneira como consumimos e produzimos notícias. Plataformas como Twitter, Facebook e Instagram tornaram-se fontes primárias de informação para muitas pessoas, desafiando a mídia tradicional. Embora essas plataformas, certamente democratizaram a disseminação de notícias, mas nem tudo são flores. Atualmente, qualquer pessoa com um smartphone se torna um “repórter”, o que traz desafios à integridade jornalística do fato.

CLICKBAIT

Vivemos tempos em que todos têm pressa e poucos praticam hábitos reflexivos ou de cuidado com aquilo que leem ou compartilham. Parafraseando um pensador antigo podemos dizer que as pessoas, e qualquer repórter, só quer saber do que pode dar certo, para ele. A busca por clickbait(4) criou uma "normalidade" na sociedade que não tem retorno.

A velocidade e a competitividade das redes sociais incentivam a produção rápida de conteúdos, sem a verificação dos fatos. Isso levou a uma proliferação de notícias falsas e desinformação, exacerbando a crítica de Zappa sobre a prostituição da escrita. Agora, não são apenas os jornalistas que podem comprometer a verdade, mas também indivíduos e grupos com agendas específicas.

Além disso, algoritmos que priorizam cliques e engajamento aumentaram a pressão para criar conteúdos sensacionalistas e polarizadores. Desse modo, aprofunda-se ainda mais a crise de credibilidade no jornalismo e no que o repórter faz. Se Zappa estivesse vivo hoje, provavelmente veria sua crítica ainda mais presente pelas distorções e manipulações nas redes sociais.

PERDEMOS !!!

Em suma, Zappa encapsulava seu desdém pela superficialidade e falta de compreensão que ele percebia na cobertura jornalística sobre o rock. Ele criticava tanto os repórteres quanto o público por sua incapacidade de apreciar a verdadeira arte e inovação que caracterizava aquela cena. Zappa desejava uma mídia que também entendesse e valorizasse a profundidade e a importância cultural do rock.

Atualmente, muita coisa mudou, o gênero musical, os artistas, a mídia, a comunicação de massa. Entretanto, uma coisa não mudou, ou pior, recrudesceu assustadoramente. A capacidade do repórter, do leitor/espectador, dos músicos e de toda a sociedade em refletir sobre o que se lê e se escreve. O desafio contemporâneo é equilibrar a rapidez e a acessibilidade das novas mídias com a necessidade de precisão e ética jornalística.

Enfim, um equilíbrio que nunca existiu pelos diferentes interesses de um repórter e da própria sociedade, e que parece inatingível.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Muitas vezes uma mentira pode significar que queremos ressaltar uma verdade. E, certamente, algo que pode sugerir que seja um mau humor, tem alguma relação somente com ver as coisas com algum humor e ironia.

(1) "Entre Sem Bater - Frank Zappa - Um Repórter de Rock" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/01/entre-sem-bater-frank-zappa-um-reporter-de-rock/

(2) "Entre Sem Bater - Chuck Berry - Rock and Roll" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/07/13/entre-sem-bater-chuck-berry-rock-and-roll/

(3) "Entre Sem Bater - Joseph Pulitzer - Imprensa Cínica" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/23/entre-sem-bater-joseph-pulitzer-imprensa-cinica/

(4) "Entre sem Bater - Cathy O´Neil - O Clickbait" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/10/28/entre-sem-bater-cathy-oneil-o-clickbait/