Acordai! Acordai, Viventes! - Denise Reis

O desejo de liberdade que pode ser vivenciado de inúmeras maneiras e formas, sempre permeou o cotidiano humano, já que ela é vista como "essência" do ser humano, tanto no contexto social, político, econômico, cultural, e também, espiritual.

Sempre a busquei, mesmo não sabendo de seu real e profundo significado. Na infância queria ser livre para jogar handebol, vôlei, praticar atletismo, cavalgar e saltar cancelas feitas de troncos, nadar no rio, subir o morro sozinha e voltar cheia de histórias arrepiantes. Tantas pequenas coisas infantis. Naquele tempo, liberdade para mim, era sentar-me nas alturas dos verdes morros da granja, e gritar sou livre! Eu era livre quando tinha medo dos trovões, e me escondia debaixo das cobertas, quando corria descalça, pelo campo serenado, e enchia os pés de rosetas. Era livre quando a bola caía no pátio do vizinho, e pulava o muro para buscá-la, sem medo de reações adversas. Sim, era livre quando sentava na soleira da janela para observar e contar estrelas, até perder a conta e iniciar novamente a contagem, sem pressa.

Até que, um dia, olhei em outro sentido, numa outra direção, e deslumbrei a verdadeira face da realidade. Descobri que o pão da fome não é tão santificado quanto inocentemente imaginava, e que a voz da razão, do conhecimento e do destino é que se mesclam, nutrindo-me de experiências. Aprendi, então, que liberdade em latim LIBER, livre, tem a mesma origem do grego ELEÙTHEROS, também livre, que em eras remotas a raiz da palavra tinha o possível significado de nação, povo, e pode ter sido usada para designar “membro do povo não escravizado”, em oposição aos que eram escravos.

No decorrer da vida, passei a entender que liberdade se desenvolve com o propagar do tempo e das potencialidades, dentro do invólucro mundano, é como um vento que passa, e não se deixa aprisionar, é um ato volátil, e quando se olha para trás, anseia-se pelo amanhã; aí, a liberdade passa a ser mais que um conceito, ou estado, e sim uma verdade provisória, quase um pesadelo recorrente.

E como é doloroso pensar no amanhã, e concretizar a incessante busca deste bem inalienável, tendo-se faces horrendas, companheiras ferinas dos enganos, que coloca cortinas Blackout para me distanciar de tão singelos sonhos. Mas, como em a Elegia na

Sombra, somos Pessoas, “Pesa em nós o passado e o futuro. Dorme em nós o presente. E a sonhar, a alma encontra sempre o mesmo muro, e encontra o mesmo muro ao despertar”. Ainda bem que resplandecem à distância meus heróis, luz para meus passos, bandeira para minhas conquistas e substrato para minhas vitórias.

Mas que sentido é este, que vitória é esta, que se compassa sob o olhar negro de um manto, que de justo já é hábito largo e fétido de loucas camarilhas, onde verdade e mentira se confundem, porque coexistem, e o direito e o “ontem” é olvido?

Para exercitar minha autoconsciência, revisitei Sartre, Aristóteles, Locke, Sócrates, Platão, Hegel, as redes sociais, os comentários, os processos, as esquinas de minha cidade, e fiquei “confúcia”, até que acordei! Liberdade é uma conquista árdua.

Acordai viventes! Acordai enquanto o azul ainda exalta voos, e a flor da bondade é raiz de tesouros prestes a serem saqueados.

Acordai, enquanto ainda somos livres para recordar infâncias, e augurar amanheceres e quimeras.

Acordai que há muito nossa infância se fez longínqua, acordai que a esperança ainda espera, e são abissais os anseios do amanhã.

Acordai, enquanto a liberdade ainda pode ser conjugada no indicativo presente!