Pérola negra
A verdade é uma longa mentira.
Eu não achava que escrever seria fácil. É preciso ter vontade e coragem. Palavras traiçoeiras às vezes têm duplo sentido. Isso sem falar que o ruim sempre volta, não faz curva, chega como uma flecha certeira e mortal. Muitos poetas se mataram ou foram mortos por seus escritos ainda jovens. Eles tinham argumentos poderosos. Frederico Garcia Lorca foi fuzilado com um tiro na nuca por defender os direitos do homem contra a alienação do estado autoritário.
Hoje acordei inspirado, leve e quero escrever o que vier à minha cabeça sem medo de ser criticado ou esquecido. Quero falar de uma escritora brasileira mãe de três filhos todos de relacionamentos diferentes. Isso mostra que ela não tinha medo de viver intensamente e fazer tudo o que tinha direito e vontade.
Sua biografia. Carolina Maria de Jesus (1914-1977) foi uma escritora brasileira, considerada uma das primeiras e mais destacadas escritoras negras do país. Autora do livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. Morando na favela, trabalhava como catadora de papel durante a noite. Lia tudo que recolhia e guardava as revistas que encontrava.
Não quero falar da escritora Carolina Maria de Jesus, mas sim da poeta Carolina Maria de Jesus. Vou escolher um dos seus poemas que me agrada e trata de um assunto atual e relevante para a nossa sociedade que está longe de ser resolvido.
Os feijões
Os Feijões Será que entre os feijões
Existem o preconceito
Será que o feijão branco,
Não gosta do feijão prêto?
Será que o feijão preto é revoltado?
Com seu predominador
Preçebe que é subjugado
O feijão branco será um ditador.
Será que existem rivalidades?
Cada um no seu lugar
O feijão branco é da alta sociedade.
Na sua casa o feijão preto não pode entrar
Será que existem desigualdades
Que deixa o feijão preto lamentar
Nas grandes universidades
O feijão preto não pode ingressar
Será que existem as seleções
Prêto pra cá e branco pra lá
E nas grandes reuniões
O feijão prêto é vedado a entrar?
Crêio que no núcleo dos feijões
Não existem as segregações.
Observações:
É importante notar que os editores optaram por manter a originalidade do poema. O que confere a ele, uma realidade próxima de uma pessoa que não concluiu o Ensino Fundamental. Isso não impediu que ela criasse uma bela reflexão.
O poema retrata uma severa crítica sobre o ingresso da população negra nas universidades brasileiras. Apesar de ser maioria, hoje ocupa 49% das vagas, somando as instituições públicas e privadas.
É um poema de versos livres e irregulares. Com ótimas rimas: revoltados com subjugado - predominador com ditador - feijões com segregações.
Ela dizia que escrevia para espantar a tristeza ora revoltada, ora profundamente triste. Isso fica evidente nos versos: "O feijão preto não pode ingressar" ou ainda... "Será que o feijão preto é revoltado?".
Em tempo... Quero agradecer ao repórter Audálio Dantas por descobrir essa preciosidade numa favela do Canindé em 1958.
Relato: Carolina Maria de Jesus é Patrona do Acadêmico Hércio Afonso de Almeida. ALMUB - Academia de Letras e Música do Brasil.
Apesar de ter um livro transformado em Best Sellers, não se beneficiou com o sucesso e não demorou muito para voltar à condição de catadora de papel.
Sugiro para leitura o seu livro - Quarto de despejo: Diário de uma favelada.
... E viva a poesia!!!