De poetas e solidões
Estes dias, eu lembrei meu vizinho Sílvio - que teve a saúde debilitada pelo álcool e não está mais por aqui. Lembrei-me exatamente do dia em que o conheci: num boteco, destes a que chamamos "pega bêbo", Seu Sílvio tomava uma cerveja em companhia de Erickson Luna. Fui cumprimentar o poeta, e acabei sentando para tomar uma cerveja em companhia dos dois.
Mais que saudades do vizinho ou do poeta, me peguei com uma saudade incontida de um Recife que já não vejo ou, talvez, com saudades de mim.
A hilária história do livro de poesias de Erickson que lhe comprei e, depois, lhe emprestei para vender de novo e continuasse a beber... Erickson morreu algum tempo depois, sem eu ter voltado a encontrá-lo para pegar, então, meu livro autografado.
Senti um vazio estranho por não poder tomar uma cerveja, naquele instante, por aquelas memórias.
Na madrugada, comprei em um destes sebos on line um exemplar de "Do moço e do bêbado" que ainda não me chegou às mãos, agora, em que eu sinto ainda mais saudades da cidade que eu sempre percorri, que foi sempre tão íntima e estes tempos estranhos tornaram distante.
Da última vez que vi Miró, porém, não teve cerveja. Pedi ao garçom que recolhesse minha cerveja, com a garrafa ainda cheia e pedi uma água para acompanhar Miró que declamava sozinho na mesa ao lado e veio ao meu encontro quando eu o acompanhei nos últimos versos. Miró fez seu esforço de sobriedade.
Erickson morto. Miró morto. E esta inquietação tamanha: não é possível que a cidade só tenha a oferecer estátuas de concreto e bronze aos seus poetas.
Recife, Várzea do Capibaribe, 31 de Julho de 2022.