Contratempos
Chegados às aulas, eu professor ; ela, aluna das séries iniciais da escola onde estudei, o Franco-Brasileiro, situado à Rua das Laranjeiras, onde se sitiou a fatia boa e gorda da minha vida nos pesadelos dos vistos das manhãs seguintes. É natural que tenha esquecido o número do endereço, como é de se esperar de quem arredonda todos os decimais de notas e apontamentos, centésimos, coisas e tais..., chego a casa por teimosia inteiramente contumaz da sina de ter uma, visitada apenas pela graça e pelo prazer da volta em que o ser se estala da rua, um eco surdo do ego.
Percebam que a vida se desmembra nas pestanas, enquanto as barbatanas ancestrais do sono nos habitam com as asas dos sonhos comuns de quase nunca serem lembrados e de se acordar aéreo a mijar fora do vaso para se lembrar da falta de descarga, porque não ouviu o jato no fundo da latrina, depois de voltar para cama. Não falei que seria fácil, não me abandonem, vai... acompanhem-me, que lá vem o fim da prevaricação. Sonhos de caboclo pobre, já são dois pontos em comum, agora vai o terceiro, responsável pelo equilíbrio.
Lá vinha a menina com a sua babá, a babá vinha conversando com uma de serviço e subiriam pelo elevador da rotina, quando a criança ordenou:
- Neste aqui!
Salpiquei, um tanto impaciente, a réplica em forma de bronca, mas em tom de brinco:
- Ah, essas crianças voluntariosas...
Uma réplica, cuja recusa pela descontrariada, me subiu em olhar de consolo, embora conformado.
Recebi de truz uma resposta:
- Você deve ser uma!
Ignoro se a criança sabia o significado de voluntarioso, ficamos suspensos e equiparados em breve momento os três, num lance de "bang-bang"..., a babá jogara a toalha, mas eu não perdia a mania. Qual o quê? Também não sabia como me comportar naquela ocasião inesperada, agradeci efusivamente o elogio e acrescentei:
- ..., mas Deus torceu o pepino (aqui, sugiro que visualizem uma pantomima gestual junto a um clique, uma claquete dramática, um ruído onomatopaico que romperia quaisquer dúvidas sobre nossa hierarquia), antes de criar asas.
Ela me sorriu com certa simpatia nas suas bochechas rosadas, entregando os pontos:
- Não entendi nada
Fiquei com as batatas:
- A gente só entende quando cresce...
Entendam que não me orgulho de minha didática, esteja claro que não tenho a mínima ideia do que estou fazendo; no meu caso, cresci com muita sutileza, para não falar em discrição do meu tamanho adulto, e me faço de desentendido pra sobreviver, aqui, nesse campo, modéstia à parte, tenho me virado bem, então bem sucedidos são todos os feitos sem os eventuais efeitos imediatos, puxando pelos déficits aos resultados eficazes, e devemos procurar esquecer o quanto antes as prosas pródigas para nos lançar, o mais rápido possível, a novas empresas.
A lição fica enquanto for evocada.