O trem que já vem
É madrugada. No silêncio das horas, a inspiração.
A máquina de escrever, companheira de outrora, agora num canto qualquer da sala do tempo, sobre a escrivaninha guardada no aconchego da lembrança.
Não há mais o cesto ao lado da escrivaninha; nem os papéis embolados, rabiscados, lançados pelas mãos aflitas em busca de um ponto que consagrasse o sabor do triunfo de um pensamento, de um mote, de uma inspiração.
O som dos teclados em movimento confundia-se com o barulho do trem que costumeiramente, sem pedir licença, passava deslizando-se sobre os trilhos, rasgando o silêncio da madrugada.
Hoje em dia, o trem continua prosseguindo pelas madrugadas; entretanto, sem o charme do barulho de antes, devido, quiçá, ao aumento das construções civis em torno das linhas férreas e às confusões no trânsito, como de costume.
E eu, de minha parte, continuo escrevendo, rasgando as madrugadas, desta vez de frente de uma tela, em busca de um pensamento, de um mote, de uma inspiração..., sem o auxílio do inesquecível cesto, com os papéis embolados dentro ou fora dele, na espera do apito, aparentemente longínquo, do trem que já vem...