Uma desordem pra pôr ordem no lugar
Naquele tempo em Belém, sem energia elétrica e água encanada para todos a carne também era difícil. A tia Nazaré saia de casa as três da manhã pra entrar numa fila imensa, no mercado de São Brás pra conseguir comprar dois quilos, que era racionado a cada pessoa. Assim sendo, ao chegar no local pra pegar a sua senha, com a chuva já ensaiada nas folhas das mangueiras, ela cansada de caminhar do Umarizal a São Brás se dirigiu ao guarda, que organizava a fila e dava a senha, pra pedir orientação dizendo:
- Senhor, qual dessas filas é pra comprar carne?
Ele já irritado com o fato de estar ali naquele furdunço e ainda naquela hora, já estressado, a olhou com desdém e disse:
- A senhora chegou agora. Aguarde a próxima chamada.
Ela não entendeu muito bem e falou já sem paciência:
- Como assim, meu senhor esperar a próxima chamada, se venho normalmente as sextas feiras e nunca vi isso. Quero falar com o responsável.
Ele rindo ironicamente respondeu:
- Minha senhora o responsável sou eu. Se a senhora quiser aguarde, se não, vá embora.
Num tempo em que a legislação ainda engatinhava, Tia Nazaré, que não era de levar desaforo pra casa já irritada resmungou:
- Não sei onde não estou, que te dou uma lição.
O guarda fez, que não ouviu e arrogantemente foi caminhando pra dentro do mercado, quando, no aquecer da chuva e dos nervos daquela idosa desenfrearam, ela de súbito, agarrou o seu tamanco e deu uma tamancada na costa do guarda, que ele assustado com a atitude e a valentia daquela senhora, perdeu o rumo e a pouca organização da fila.
Esse fato foi o suficiente pra enlouquecer e enfurecer as pessoas sofridas, que ali desde sabe-se lá que horas, em baixo de chuva e da arrogância da polícia, esperavam pela ordem e pela carne, que mal sabiam eles, só seria colocada à venda muitas horas da manhã.
O tumulto generalizou, com empurra, empurra, senhas rasgadas, invasão ao mercado, pancadaria, desobediência aos poucos policiais que ali representavam o estado, algumas prisões depois relaxadas e a tia Nazaré, lá pelas oito da manhã, quando a carne foi liberada para venda, saíra tranquila de volta pra sua casa.
A partir desse tumulto, o governo adotou outras medidas e fez com que a carne fosse distribuída e vendida em outros pontos da cidade pra evitar todo aquele sacrifício.