PELOS MOINHOS DO TEMPO

 

“...Bebo segredos de tuas janelas e... Um trem serpenteia aroeiras.Embriagado,meu coração acena ...A menina de trança ,num sorriso banguela,é apenas imagem do etéreo."

 

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Ergue-se do vale um silêncio de fim de tarde.

É domingo,e o que ainda resta de sol sobre o moinho, doura-lhe as vidraças .

Pelas ruelas desertas,nada além de minhas lembranças.

As janelas,feito lentes embaçadas,espiam ao longe como à quem -viciado - procura parcerias para um jogo de cartas.

[ Desoladora espera ]

De muito longe ,embarcados ao vento, chegam alguns ecos retorcidos.

[ Crianças num campinho de futebol ]

Junta-se à elas uma voz feminina. Abafada, insistente , quase dolorida...

A súplica do instinto materno na tentativa de arrebanhar a prole:

[ Brados dilaceram silêncios ]

_Joãoêêêêêêêêê!...

A nostalgia veste-me calças curtas , atira-me impiedosamente num espaço que já não me pertence mais.

Sinto uma pontinha de inveja do tal João.

Ponho-me a imaginar aquêle à quem sequer conheço.

Em pensamentos arquiteto-lhe alguns conselhos:

Corre “Joãozinho”. Vai ao encontro de quem te chama!

Corre que o tempo urge. Se apresse menino, que o tempo é um moinho e a farinha de hoje, pode lamentar em alvura o grão dourado que um dia foi.

Corre “Joãozinho”.

Segue em frente, que as cozinhas da vida também costumam fechar janelas e portas.

Vai!...Corre que o fogo apaga-se , que o “feijãozinho de mãe” esfria, e o tempero do tempo se faz insosso.

Corre “Joãozinho”.

Ouça meu conselho , ainda que seja eu apenas um tolo a vasculhar passados.

Corre , avance...Vai que "o agora" é a sua bola da vez.Deixe-me sozinho .Deixe-me aqui, feito um ser estático a beber segredos de janelas de moinho.

[ Elas - as janelas - conhecem-me de longo tempo ]

Sabem as histórias, de um piazito caroneiro, de uma charrete, que tinha a cor das abóboras, dum cavalo branco, de fofos pelegos deitados sobre o assento.

Daquela polaca que se chamava “Flora”, era minha tia e me contava coisas de uma terra distante. Duma tal Polonia, e uma certa gente de olhares de safira, que cruzaram mares, sulcaram da terra a sua tez morena , emprestaram alma à dança dos trigais.

[ Tinham mãos pesadas, calos e ranhuras...Tocavam violinos sem as partituras.Não lamentavam a sorte.Riam! Até das incertezas ]

Corre, ”Joãozinho”, liberta tua infância, feito um passarinho a voejar no vento ,que embriagado de divagações, resta-me ainda a ilusão da chance de um recado ao comboio da noite...

Aquêle último trem que rasgará em paralelo as brumas densas do lusco fusco.

À etérea menina,cabelo de tranças,sonho de infância...

[ Paixão de criança?...Talvez .]

Corre "Joãozinho", deixa-me à relembrar:

As sardas na face, o riso banguela, voz estridente,cantiga esgoelada...

Corre, ”Joãozinho”...Corre!

Deixe-me sozinho, feito zumbi na tarde vadia a triturar lembranças feito a mó deste moinho.

 

Joel Gomes Teixeira

IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 30/07/2024
Código do texto: T8118439
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