Crônica de Lima Barreto

A Justiça é cega, surda e não muda.

Hoje resolvi fazer uma higiene mental. Deixei de lado os poetas suicidas e loucos que sempre me encantaram para reler uma crônica de 1915. É um tema atual e cruel que desde então, como disse Leo Jaime no refrão de uma de suas canções: "Ôh, ôh, ôh, ôh, nada mudou".

Ler livros antigos ajuda a minha saúde mental. Fico mais leve e ao mesmo tempo com um pouco de amargura por saber que nada muda sem que haja dor e sofrimento. Principalmente para as mulheres de um modo geral. Nós somos muito machistas. Eu me sinto culpado por notícias ruins contra mulheres. Que horror!!!

Uma parte da biografia de Lima Barreto. Nasceu em 13 de maio de 1881 e faleceu em 1 de novembro de 1922. Jornalista e escritor brasileiro. Escreveu romances, sátiras, contos e crônicas. Ele teve muitas crises de alcoolismo e depressão e foi internado no hospício em 1914. Ele tentou ganhar uma Cadeira na Academia Brasileira de Letras duas vezes. Na última tentativa, o próprio escritor desistiu antes das eleições.

Segue a crônica de Lima Barreto.

A lei

Este caso da parteira merece sérias reflexões que tendem a interrogar sobre a serventia da lei.

Uma senhora, separada do marido, muito naturalmente quer conservar em sua companhia

a filha; e muito naturalmente também não quer viver isolada e cede, por isto ou aquilo, a uma

inclinação amorosa.

O caso se complica com uma gravidez e para que a lei, baseada em uma moral que já se

findou, não lhe tire a filha, procura uma conhecida, sua amiga, a fim de provocar um aborto de

forma a não se comprometer.

Vê-se bem que na intromissão da “curiosa" não houve nenhuma espécie de interesse

subalterno, não foi questão de dinheiro. O que houve foi simplesmente camaradagem, amizade,

vontade de servir a uma amiga, de livrá-la de uma terrível situação.

Aos olhos de todos, é um ato digno, porque, mais do que o amor, a amizade se impõe.

Acontece que a sua intervenção foi desastrosa e lá vem a lei, os regulamentos, a polícia,

os inquéritos, os peritos, a faculdade e berram: você é uma criminosa! você quis impedir que

nascesse mais um homem para aborrecer-se com a vida!

Berram e levam a pobre mulher para os autos, para a justiça, para a chicana, para os

depoimentos, para essa via-sacra da justiça, que talvez o próprio Cristo não percorresse com resignação.

A parteira, mulher humilde, temerosa das leis, que não conhecia, amedrontada com a

prisão, onde nunca esperava parar, mata-se.

Reflitamos, agora; não é estúpida a lei que, para proteger uma vida provável, sacrifica

duas? Sim, duas porque a outra procurou a morte para que a lei não lhe tirasse a filha. De que

vale a lei? Vida urbana, 7-1-1915

Ele criticou a violência contra as mulheres. Reiterada a partir da violação a ilegalidade do aborto e o seu difícil acesso. Isto sem falar nos altos índices de morte de mulheres em clínicas clandestinas. Além disso, as mulheres não têm o direito de escolher se querem fazer ou não um aborto.

SIM, o Brasil, País do Futuro como disse o judeu-austríaco Stefan Zweig no final da metade do século XX , fugindo do nazismo.

Me lembrei de Renato Russo "Que País É Esse?"

... E viva a Democracia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 30/07/2024
Reeditado em 18/08/2024
Código do texto: T8118208
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