A peruca estava ao seu lado, antes de dormir à quase cair morta. Bebeu vinho depois do show e conheceu um rapaz que tinha idade pra ter vivido em seu útero, caso tivesse um. Foderam no estacionamento. Ela evitava bebidas nos shows. Era algo que ameaçava a postura e o distanciamento que fazia dela uma diva. Deu um sonoro: “Graças a Deus!”, por ter feito o que fez no estacionamento, sem trazê-lo pra casa. Não teria que acordar de manhã e ter que inventar desculpas para mandá-lo embora. A maquiagem borrada no rosto escondia um homem de mais de 60 anos, que já foi jovem e menino. Mas tudo aquilo era apenas uma prisão biológica que ela precisava lidar, antes da maquiagem. Maquiagem que a transformava na Drag Queen. Uma rainha dos bares suburbanos, teatros lotados e festas de réveillon. A mulher assumia a personalidade e todas as responsabilidades, durante o resto do dia. E a Drag era atemporal… sempre linda e cheia de vida. Dublando Hits dos anos 60 e 70… “The Carpenters” era sua banda preferida, mas quando notava que todos já estavam bêbados, entoava canções de Maysa e Elis. Numa cinta liga apertada ela mostrava as coxas lisas e perfeitas, confundindo as pessoas. Os homofóbicos ficavam pra lá de fóbicos. Mulheres faziam deboche que só acusava o quanto sentiam inveja. Em frente ao espelho, a peruca meio torta, mal colocada, maquiagem borrada, choro contido. De repente se lembrou de tudo que viveu… “Pra quê o choro?”. A coleção de vitórias e desgraças, davam a ela uma “anistia de choro” pelo menos até se pintar outra vez. Se pintava – impecável; se vestia – invejável; Para o trabalho diurno, concursada num banco. De noite, tomava um táxi, pois até mesmo o ato de descer do carro em frente a boate já era parte do espetáculo. Todos os olhos a procuravam. Petrificavam-se. Levantava o queixo como se uma mão invisível o fizesse por ela. O espetáculo estava prestes a começar… Ela era rainha outra vez, a Rainha da Noite. O homem de meia-idade ficara pra trás, escondido no quarto, com suas inseguranças. “Ela vai começar!”, gritaram. “Ela vai cantar… agora!!”. Um sorriso de canto de boca brotava. Um sorriso safado. E a certeza de ser rainha.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 30/07/2024
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