Entre Sem Bater - O Fanatismo

George Santayana disse:

"... o fanatismo consiste em redobrar os esforços quando você esqueceu seu objetivo ..."(1)

O pensador e filósofo espanhol experimentou em sua vida muitos tipos de fanatismo. Viveu muito e em dois mundos completamente diferentes, os EUA e a Europa e Espanha. Sua atenção com questões religiosas, mesmo se apresentando como ateu, é um comportamento antagônico e curioso. Contudo sua frase criticando o fanatismo individual(*) não atenua os males que um fanático religioso(1) provoca.

O FANATISMO

A humanidade perde, a cada dia, sua capacidade de evoluir. Uma das causas é o fanatismo, que não é somente religioso. Certamente, a maioria dos fanáticos não assumem o seu fanatismo e os males que ele provoca. Podemos, por exemplo, ver as guerras religiosas(2) que os monoteístas provocam. Um fanático religioso sempre encontra outros que têm disposição para cometer atrocidades.

Contudo, embora o fanatismo religioso seja uma parte bastante visível na história da humanidade, não é somente que que comete barbaridades. Em outras palavras, erram todos que atribuem as guerras ou desavenças somente ao fanatismo religioso. Pessoas estão matando umas às outras por conta de política, futebol, dinheiro e uma infinidade de temas polêmicos.

É simples, basta existir algo polêmico que a polarização logo surge, daí para o fanatismo é um pequeno passo.

FANATISMO EXPLOSIVO

O fanatismo religioso, quando mistura-se com a política, gera uma força perturbadora e divisionista na sociedade brasileira. O pensamento de Santayana sobre o fanatismo expande e ilumina os perigos de quando se desvia de seus propósitos originais. Desta forma, gera-se consequências nefastas para a coesão social, a democracia e os direitos humanos.

No Brasil, a ascensão do fanatismo no cenário político é um fenômeno crescente e preocupante. Grupos religiosos influentes, especialmente de evangélicos neopentecostais, exercem um poder inexplicável na política. Surpreendentemente, a formação de políticas públicas, a supressão de direitos e a manutenção de privilégios tem o dedo de fanático.

Embora a fé religiosa seja um direito inalienável, o fanatismo de líderes pentecostais cerceia o direito da livre escolha religiosa e do bem comum. A instrumentalização e usurpação do coletivo, para fins políticos e individuais, revela-se com vários pontos negativos e poucos positivos.

POLARIZAÇÃO DA SOCIEDADE

Em primeiro lugar, o maior ponto negativo do fanatismo religioso na política é a tendência de polarizar segmentos da sociedade. Desta forma, cria-se uma divisão nítida entre "nós" e "eles" que se expande para todos os setores. Em suma, aqueles que não compartilham das mesmas crenças são os "demônios", "marginais" ou "comunistas".

Esse maniqueísmo se manifesta em discursos que pregam a intolerância e a exclusão, ampliando a divisão social e alimentando o ódio. A retórica dos líderes religiosos na política pode exacerbar preconceitos contra minorias religiosas, raciais e LGBTQIA+. Por isso, presenciamos em tempos recentes o crescimento e a "normalização" das discriminações e da violência.

Além disso, o fanatismo religioso compromete a laicidade do Estado, um princípio fundamental da democracia brasileira. A separação entre igreja e Estado é crucial para garantir que as políticas públicas utilizem a razão, na ciência e nos direitos humanos universais.

Quando líderes religiosos influenciam diretamente a política, há um risco significativo de que leis e políticas guiem-se por crenças religiosas. Desse modo, também constatamos que, recentemente, em vez de evidências científicas e princípios democráticos, vemos perpetrar dogmas.

Isso resulta, sem dúvida, em legislações retrógradas e discriminatórias. Podemos citar, por exemplo, as restrições aos direitos reprodutivos das mulheres e limitações à educação sexual nas escolas, dentre tantos.

OBSCURANTISMO E MANIPULAÇÂO

O fanatismo religioso na política também enfraquece e tira a credibilidade das instituições democráticas. Ele promove a ideia de que certas figuras políticas ali estão por vontade divina, tornando-as infalíveis aos olhos de seus seguidores. Assim sendo, a crítica e o questionamento, pilares essenciais de uma democracia saudável, dão lugar à servidão voluntária.

Em outras palavras, quando políticos são "representantes diretos" de uma vontade divina, qualquer oposição torna-se ameaça à divindade.

Os pontos negativos são mais nocivos à coletividade, Desse modo, a corrupção moral é outro aspecto sombrio dessa mistura de fanatismos que assola o país. Líderes religiosos que entram na política muitas vezes justificam atos antiéticos e ilegais em nome de um bem maior ou de uma missão divina.

Esse tipo de racionalização leva a casos graves de corrupção e abuso de poder e até mesmo crimes contra as pessoas. Surpreendentemente, seguidores cegos desses déspotas acreditam que a impunidade justifica-se pela fé e não pela justiça. A história brasileira recente está repleta de exemplos em que figuras políticas com fortes laços religiosos protagonizam escândalos.

MUNDO MODERNO

Estas misturas provocam outrossim, uma babel entre grupos e bolhas, que se preocupam em atacar o oposto, sem entender o contexto.

Como se não bastasse, o fanatismo em geral exacerba a desinformação, a disputa, o confronto, a humilhação do inimigo, a adoração de Mitos. Muitas vezes, líderes religiosos com agendas políticas promovem narrativas falsas e com distorções, para manipular a opinião pública. Por isso, é particularmente perigoso em uma era de redes sociais de muitas fake news, devido às influências da opinião pública.

A manipulação da fé para desinformar corrompe o discurso público, e destrói a confiança nas fontes de informação legítimas e na democracia.

Enfim, o fanatismo religioso na política desvia-se dos verdadeiros ensinamentos espirituais de compaixão, justiça e respeito mútuo. Ao redobrar seus esforços em nome de uma agenda política, líderes religiosos e seus seguidores esquecem o objetivo de suas crenças. Deveriam, inquestionavelmente, promover o bem-estar humano e a harmonia social. Essa dissonância, conforme disse Santayana, anteriormente à revolução informacional e tecnológica, revela a tragédia do fanatismo. Ao mesmo tempo que deveriam lutar fervorosamente pelas suas causas, traem os princípios que deveriam defender.

O Brasil, como uma nação diversa e plural, precisa reforçar os princípios da laicidade e da convivência pacífica entre diferentes crenças. Somente assim poderemos construir uma sociedade verdadeiramente justa e inclusiva, onde a fé inspire o bem e não o conflito. Toda e qualquer manifestação de fanatismo, não somente religioso, mostra-se uma aberração para a humanidade.

Até um ateu pode ser fanático !

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*)  O fanatismo individual é complexo. As pessoas transformam convicções em verdades absolutistas e na sequência em fanatismo, até coletivo.

(1) "Entre Sem Bater - George Santayana - O Fanatismo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/30/entre-sem-bater-george-santayana-o-fanatismo/

(2) "Entre Sem Bater - Carl Sagan - O Fanático Religioso" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/22/entre-sem-bater-carl-sagan-o-fanatico-religioso/

(3) "Entre Sem Bater - Schopenhauer - As Guerras Religiosas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/04/05/entre-sem-bater-schopenhauer-as-guerras-religiosas/