Entre Sem Bater - A Cor do Voto

Carlito Maia disse:

"... o voto não tem cor, nem cheiro . E é secreto: ninguém conhece o de ninguém. Seu voto vale tanto quanto o meu ..."(1)

Carlito Maia era mineiro, e desse modo, como todo mineiro, observa muito e fala como se fosse criptografia. As pessoas precisam ter muita qualificação para entender frases curtas. Assim sendo, o tirocínio(*) que o qualificou não é hereditário e exige dos interlocutores alguma experiência de vida. Suas citações eram, notadamente, irônicas ou sarcásticas e ainda continuam no prazo de validade. E, como se não bastasse, quando o assunto é política eleitoral e voto, ele era um especialista. Está fazendo, com toda a certeza, muita falta.

A COR DO VOTO

Algumas frases de Carlito Maia sobre política eleitoral e o voto aplicam-se, sobretudo neste ano, de maneira inequívoca. O grande problema da população com direito a voto é que a maioria não sabe do poder de um voto e da democracia.

Algumas pérolas do publicitário:

"O voto não tem cor, nem cheiro. E é secreto: ninguém conhece o de ninguém. Seu voto vale tanto quanto o meu. E vice-versa. Ah, quando todos souberem disso aqui - vamos acabar caindo numa democracia!"

"Não pode haver democracia onde os democratas são minoria."

"Quando a esquerda começa a contar dinheiro, converte-se em direita."

Fonte: 99Frases

Assim sendo, podemos aproveitar este gancho e falar sobre eleições e a importância do voto neste ano. Brasil, Estados Unidos e Venezuela vão realizar eleições até o final do ano. Inglaterra e França realizaram as suas e os movimentos e surpresas foram muitos.

ELEIÇÕES PELO MUNDO

Surpreendentemente, dos países com eleições este ano, embora se apresentem como democracias, possuem trejeitos de tirania. Por isso, cada frase de Carlito Maia sobre o voto e a política devem merecer muita reflexão. As ideias e conceitos sobre o direito do voto e seu relacionamento com a democracia são extremamente relativos e voláteis.

Com toda a certeza, cada nação e seu povo possuem peculiaridades políticas que não devem sofrer transposição para outra. Desta forma, é uma idiotice ímpar, comum nas redes sociais, tomar exemplos de um país e copiar ou adaptar. Definitivamente, não funciona e as emendas certamente sairão " pior que o soneto ".

ESTADOS UNIDOS

A questão eleitoral nos Estados Unidos é um fenômeno complexo da história e da cultura política do país. É provável que a sua guerra interna, que envolveu questões da escravatura, moldou todas as características. O povo daquele país pode escolher se quer votar ou não, ao contrário, por exemplo, do Brasil, onde o voto é obrigatório.

Democratas e Republicanos disputam o voto dos eleitores, por suas diferenças ideológicas, resultando, certamente, na polarização política. Desse modo, os resultados das eleições estadunidenses refletem o que os eleitores pensam da política de domínio deles sobre o mundo.

Os Democratas, apresentam-se como progressistas e, surpreendentemente, como de esquerda aos olhos de muitas pessoas. Defendem, outrossim, uma maior intervenção do governo na economia, políticas de bem-estar social, e maior inclusão nas questões sociais. Eles se posicionam como defensores dos direitos das minorias, do meio ambiente e do sistema de saúde acessível a todos.

Em contraste, os Republicanos, de tendência de direita, promovem valores conservadores, liberalismo. Como se não bastasse, defendem menos regulamentação econômica, e uma forte ênfase na segurança nacional e na defesa. Eles se apresentam como guardiões dos valores tradicionais e da liberdade individual. Entretanto, na realidade, defendem abertamente somente os seus direitos (estadunidenses brancos) contra o resto do planeta.

ELEIÇÕES INDIRETAS

A cada ciclo eleitoral, ambos os partidos se empenham em campanhas intensas, usando todos os meios disponíveis para conquistar cada voto. As estratégias incluem desde a utilização de tecnologias avançadas de análise de dados para segmentação de eleitores. Atualmente,  as campanhas de mídia social estão na moda e o escândalo Cambridge Analytica(2) influenciou em eleições recentes.

A natureza competitiva das eleições americanas, sem dúvida, a partir do sistema de Colégio Eleitoral por estado, leva a distorções inacreditáveis. Desse modo, é possível que um candidato tenha maioria absoluta do voto popular, mas perca no Colégio Eleitoral, como ocorreu em 2000 e 2016.

INFLUÊNCIA PLANETÁRIA

Além das questões internas, a eleição presidencial dos EUA tem implicações globais significativas. Os Estados Unidos, com sua posição de superpotência, influenciam políticas econômicas, ambientais e de segurança em todo o mundo. Desta forma, a escolha do presidente americano tem acompanhamento de perto por governos e populações ao redor do planeta. Entretanto, isso não significa que a democracia eleitoral deles ou até mesmo como o voto de cada cidadão conta, seja exemplar.

A democracia estadunidense, frequentemente objeto de exaltação, enfrenta críticas tanto internas quanto externas, quais sejam:

A influência desproporcional de grandes doadores de campanha;

As tentativas de supressão de eleitores; e

Manobras de gerrymandering (manipulação eleitoral com redesenho de distritos eleitorais para favorecer uma facção).

Estas questões minam, inquestionavelmente, a percepção de uma democracia plenamente funcional. No cenário internacional, a política externa dos EUA é autoritária, com intervenções militares e econômicas ditatoriais.

Esse paradoxo - se apresenta como a principal defensora da democracia, mas que é ditatorial em suas ações internacionais - é criminoso. Em suma, o voto binário(3) e com polarização em excesso é o pior dos mundos.

VENEZUELA

A Venezuela, um país rico em recursos naturais, especialmente petróleo, enfrenta uma crise socioeconômica e política sem precedentes. Por isso, suas estruturas não funcionam, o que desencadeou um êxodo massivo de sua população. Estima-se que mais de 3 milhões de venezuelanos deixaram o país em busca de melhores condições de vida. Fugiram, majoritariamente, para Colômbia, Peru e Brasil, fugindo de uma realidade de hiperinflação, escassez de alimentos e medicamentos. Como se não bastasse, a violência em todos os aspectos, assola as classes mais pobres e com menor instrução.

Esse cenário caótico tem profundas implicações para o processo eleitoral do país.

As eleições na Venezuela sofrem contestações e são alvo de controvérsias das mais diversas naturezas. As alegações de fraudes e manipulação por parte do governo de Nicolás Maduro são apenas um aspecto. Em meio a um clima de repressão e censura, a legitimidade dos processos eleitorais e do direito ao voto recebe questionamentos internos e externos.

O controle do governo sobre as instituições eleitorais e a ausência de observadores independentes minam a confiança da população nas eleições. A estratégia da oposição e que o governante, de maneira tirânica apoiou, era o boicote ao voto. Inquestionavelmente, a ideia de se boicotar qualquer eleição ou votação revela um despreparo para a democracia e a luta por direitos.

DIÁSPORA

A diáspora venezuelana acrescenta uma camada adicional de complexidade ao panorama eleitoral. Muitos dos cidadãos em idade de votar que, em outras circunstâncias, influenciariam significativamente os resultados eleitorais, não votam.

Dos presumíveis 3 milhões que estão no exílio, pouco menos de 2% qualificaram-se para votar neste ano. Sem dúvida, isso não é uma simples obra do acaso, é ação de déspotas e seus serviçais. A capacidade de participação dos venezuelanos no exterior possui limitações severas. A falta de consulados operacionais e a burocracia dificultam o registro e a votação desses cidadãos. Assim sendo, os que mais precisam ficam à margem, penalizando o segmento já vulnerável da população.

O país enfrenta uma crise humanitária que exige reformas políticas e um processo eleitoral transparente e inclusivo. A superação da tragédia venezuelana passa necessariamente pela restauração da confiança nas instituições, e o voto transparente ali inexiste. É provável que tão cedo, sem uma revolução verdadeira, as eleições livres e justas na Venezuela sejam impossíveis.

BRASIL

Embora as eleições no Brasil este ano não sejam como as que ocorrem na Venezuela, Estados Unidos, França e Inglaterra, a contaminação é visível. Certamente, serão as eleições municipais com maior polarização da nossa história e no momento que que o voto mais influencia. Em outras palavras, nosso sistema eleitoral permite que cada eleitor faça valer e possa cobrar seu voto diretamente.

Com toda a certeza, o sistema eleitoral brasileiro, a começar pelo voto obrigatório, possui muitas idiossincrasias. Em primeiro lugar, as escolhas do brasileiro no momento de votar são pelas pessoas. Assim sendo, a proposta deste ou daquele candidato, mesmo que ele não cumpra, viceja em relação a qualquer ideologia. Como se não bastasse, propostas coletivas e comunitárias sofrem derrotas inexplicáveis para as necessidades da população.

É provável que a mídia e as redes sociais, que contaminam as pessoas com ideias e conceitos errados, seja uma grande responsável. Podemos tomar, por exemplo, o caso daquelas pessoas que são contra as vacinas. Anteriormente às eleições de 2018, ou antes da pandemia, o Brasil apresentava os maiores índices de cobertura vacinal. Desde que adversários da vacina e suas crenças e dogmas chegaram ao poder, tudo mudou, para muito pior.

ELEIÇÕES 2024

Enfrentaremos, neste ano, a maior polarização de despolitização da história do voto democrático do brasileiro. Os últimos acontecimentos, sobretudo após as eleições de 2022 e recentes ameaças na França e Inglaterra, mudaram muitos comportamentos. A conquista do voto secreto(4), da mulher e dos maiores de dezesseis anos parece não ter importância para os eleitores brasileiros.

Carlito Maia era irônico e sarcástico, mas mesmo nos trocadilhos, como, por exemplo, no caso do voto, merece tratamento sério. Devemos substituir aquele voto utilitário(5), do eleitor inútil, pelo voto consciente de pensamento humanitário e comunitário, sem medo. Habitantes do planeta desprezam o seu direito ao voto. E ditadores, tiranos e déspotas aproveitam dessa ignorância para se esbaldar. O voto não tem cor, não tem cheiro e nem classe social, entenda ou pereça !

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*)  Utilizamos aqui a acepção de que é uma qualidade da experiência de vida com aplicação ágil às atividades profissionais.

(1) "Entre Sem bater - Carlito Maia - A Cor do Voto" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/29/entre-sem-bater-carlito-maia-a-cor-do-voto/

(2) "Cambridge Analytica - Wikipédia (português)"

(3) "O Voto Binário e o Universo"

(4) "Entre Sem Bater - Barão de Itararé - Voto Secreto"

(5) "Voto Utilitário - Eleitor Nulo"