O poeta da morte
"Toma um fósforo. Acende teu cigarro!"
Falar de si é sofrimento sem fim. Falar dos outros é loucura sem par. Porém, não consigo ficar calado, mesmo tentando.
Quando falo de um poema alheio, quero que as pessoas ouçam e percebam a beleza de cada um dos versos. Platão via a poesia épica como uma manifestação artística depreciativa. Não me pergunte o porquê dessa narrativa. Não sei responder. Não sei!
No segundo ano de escola eu não sabia ler e nem escrever direito. No Grupo Escolar Rui Barbosa, que não existe mais, a professora de português pediu para eu ler "Versos Íntimos", de Augusto dos Anjos. Eu não sabia o significado daquelas palavras. Li como se fosse um papagaio. Aquilo ficou gravado na minha mente como se fizesse parte do meu cérebro. Nada me faz esquecer aquele dia. Meu pai, sem saber de nada, sempre declamava o poema para mim. Eu ouvia em doído silêncio.
Vou falar sobre a vida de Augusto dos Anjos (1884-1914). Um poeta brasileiro que era considerado um dos mais críticos da época. Ele é considerado o poeta mais importante do Pré-modernismo com raízes no Simbolismo. Ele falava de morte, sofrimento e fazia uso das metáforas. Foi muito criticado pelo vocabulário mórbido que usava em seus poemas.
Vejamos um dos seus poema que mais gosto.
Versos íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Vamos falar sobre o poema. É importante entender o significado do nome da obra. "Versos Íntimos" pode significar uma relação familiar ou um momento romântico. Mas não é isso que o texto indica. O poema fala sobre pessoas que não conseguem lidar com a morte. Assim, o título contrasta com o teto. Uma sacada que instiga o leitor. Nomear um texto não é fácil. Uma boa situação pode se tornar ruim. Isso é o que diz o texto.
Outro ponto a ser considerado é o uso de vocábulos científicos, que raramente é encontrado em textos poéticos. Ele é um poeta diferenciado. Ele era um professor de português e não um profissional de saúde, o que seria mais lógico.
Outro ponto interessante é a rima espetacular do décimo verso com o último - apedreja com beija. Um expediente habilidoso. As palavras têm significados diferentes: o beijo é o ato ou efeito de tocar, de roçar, de ter um suave contato. Apedrejar é um método antigo de matar alguém usando pedras. Que rima!!!
"A mão que afaga é a mesma que apedreja". "Escarra nessa boca que te beija!" Hoje sei o significado dos versos para mim quando meu pai os declamava. Tinha medo desses versos encantadores.
Vejamos este enunciado "Toma um fósforo. Acende teu cigarro!" Em tese o verso é uma única frase em uma composição poética. É o elemento que define a poesia em oposição à prosa. Aqui nós temos duas frases na mesma linha, pois o ponto final depois da palavra fósforo indica que a ideia do enunciado foi exposta completamente e que ele está finalizado. Do mesmo modo, o ponto de exclamação depois da palavra cigarro é outro sinal de pontuação que indica o fim de uma frase e destaca um imperativo ou um vocativo. Portanto, no meu entender, um "verso" arrojado.
Penso em como seria se eu fosse um aluno seu na década de 20. Talvez um santo.
... E viva a poesia!!!