Os surtos

Sinto que transformei meus surtos produtivos, minhas agonias líricas, meus desajustes emocionantes em apenas lágrimas escondidas no banheiro frio da casa.

Quando a depressão deixou de impulsionar meu eu criativo e passou a ser apenas um surto de covardia e desejo de abandonar o corpo esdrúxulo, a literatura, mesmo que ruim, não se fez mais presente, deposta de sua posição enfadonha na câmara dos sentimentos estúpidos.

Bastou plugar os fones numa velha canção britânica e a sufocante melancolia me tomou os braços ao som de “I’m so sorry” acompanhado pela minha desafinada voz.

E eu me transportei para o passado enquanto Morrissey me fazia sangrar pelos pulsos. Uma a uma, as músicas me traziam as sensações que fiz de tudo para esquecer nos últimos vinte anos, vinte anos de um maníaco suicida ainda vivo.

As lembranças, não dos acontecimentos, mas das sensações, preenchem o espaço do vazio escondido. Vem assim um torpor embriagado de vinho barato e uísque ruim, amargando a boca. As malditas sensações que se permutam em poesia de qualidade duvidosa e bastante egocentrismo.

Pior é que depois de The Smiths, toca Joy Division, e Ian Curtis parece sorrir cinicamente para mim, como se dissesse: espero por você. Mãos na cabeça afundada em imagens distorcidas que eu julgava perdidas para sempre. Um copo vazio rola pelo chão sujo.

Don't dream it's over corrói os últimos lampejos de sanidade. Os olhos marejam aflitos. Maldita playlist, eu não vou escrever um verso! É melhor retirar os fones, desligar o som. Tomar a felicidade em comprimido e sobreviver mais uma noite com meus fantasmas.