O tempo de ser ético
Despreocupadas sobre o que devem fazer, as crianças não sentem o tempo passar, sobretudo se ele é ou não rápido ou talvez elas não se despertem para sua discutida existência. Aliás, nunca achei, nessa faixa etária, alguma delas pensando sobre esse assunto. Eu mesmo experimentei, na pacata Pilar, nas suas ruas vazias, sem carros ou cavalos, como os domingos ou feriados demoravam a passar, depois de termos abusado de todos os tipos de brincadeira, no dia anterior. Perguntado aos netos qual o dia da semana mais enfadonho, eles unanimam: “O domingo, porque não temos escola e, durante o sábado, já temos brincado o dia inteiro”. Não resta dúvida que o ócio, para todas as idades, avoluma o tempo. Ou seja, a inatividade o aumenta e a atividade o diminui. Infelizmente, essas atividades pouco se orientam mais à finalidade de ser do que de ter...
Sobre esse aspecto, a vida nos dita muitas lições, delas, poucas correções dos desacertos que desesperadamente se repetem. Os alertas não são levados em consideração, desde a sabedoria que nos revelou a mitologia trágica dos gregos. Assim, muito nos decepciona a humanidade, levando ao desdém a voz da consciência, os valores, a ética, como se fosse uma “estilística da existência”, do clássico agostiniano errare humanum est ou errar é humano. Nesse contexto, no mundo do time is money, vale a pena ainda falar sobre os padrões das virtudes éticas?
Ainda lendo Sófocles, ele nos convence de que “é uma iniquidade atribuir gratuitamente o mal às pessoas de bem e o bem aos celerados”. Mas, nossa realidade política, comandada pelo poder econômico, age sempre no sentido de perseguir quem pratica a lealdade e a honestidade, como se essas virtudes não fossem a preciosidade de uma vida feliz, do aprimoramento do ser, do agir e do fazer. Segundo tal filosofia, quem pratica o que deve ser feito, ditado pela ética, iguala-se a todos os virtuosos, sejam esses soldado ou general; padre ou fiel; crente ou pastor; professor ou aluno; pais ou filhos, que se igualam pelo reconhecimento da prática da virtude. Que diferença existiria entre um rico fabricante de sapatos e um simples sapateiro, se ambos fossem virtuosos e felizes?
A resposta virá com o tempo, como o tempo se tornasse um isento e verdadeiro juiz. As aparências se apagam com o passar dos dias, porque elas se parecem com as falácias dos sofismas, com o fascínio dos modismos, com a vaidade enganosa do narcisismo, com a fútil finalidade gananciosa de ter. Isso, o tempo tudo apaga. Tal realidade é abissal, quando pensamos nos que morreram. A essa viagem, do que acumularam o que conseguiram levar? Nada. Quanto à vida que praticaram, nem o tempo lhes significará alguma importância, pelo contrário, para esses tanto faz domingo como segunda ou sábado. Não importa a hora em que lhes atribuiremos lembranças ou se, in memoriam, comemorar-se-á, por aqui, mais um centenário...
Post mortem, pensa bem o existencialismo, como em Huis Clos, de Sartre: Estaremos num quarto escuro e fechado, sem porta e sem janela, em relação à ação, porque o tempo de fazer o bem é em vida. Seja e aja, enquanto é tempo. Para se cogitar em boa ação, vale o imperativo do carpe diem.