Entre Sem Bater - A Dignidade e as Olimpíadas
Pierre de Coubertin disse:
"... o importante não é vencer, mas competir .. com dignidade ..." (1)
Inquestionavelmente, prevalece na história a versão dos vencedores. Se algum evento faz sucesso haverá, sem dúvida, uma paternidade e alguma história que esconde, de alguma forma, os percalços. No caso do evento que atribuem seu retorno ao Barão de Coubertin, as olimpíadas da era moderna, muito se escreveu, mas pouco se sabe. Com toda a certeza, os bastidores dos jogos(*) não foram um mar de rosas, muito menos tiveram somente os desafios que ficaram no registro. Do mesmo modo que a Copa do Mundo de futebol, as olimpíadas cresceram e a marca dos vencedores é que fica. Por outro lado, as raríssimas exceções de fracassos, derrotas e dissabores, passam por algum "brilho" a cada apresentação da história.
DIGNIDADE
Em primeiro lugar, sou adepto fervoroso do pensamento de que "... toda unanimidade é burra ...". Assim sendo, algumas frases do Barão de Coubertin sobre as olimpíadas devem receber algum tipo de contraponto.
Coubertin, a princípio, tinha seus dogmas que o fazem revirar no caixão ao ver a olimpíada como se apresenta atualmente. A inclusão de mulheres, a participação de raças diferentes e muitos outros temas, eram objeto de restrições. Surpreendentemente, o apelo comercial da competição superou muitas barreiras, não em nome do tal espírito olímpico, mas pelo dinheiro.
Não existe o mínimo cuidado humanista quando se fecha os olhos para a dignidade e vemos a pompa de uma festa de abertura. Como se não bastasse, nações e culturas em guerra quando uma delas tem barreiras para competir e seu inimigo se apresenta triunfante.
Essa hipocrisia alastra-se como se não houvesse amanhã, o tal espírito olímpico passa longe de algumas modalidades. Quando se enfrentam países com distinções políticas, sobretudo capitalistas e dos blocos não-capitalistas, escancara-se a animosidade. Por isso, não é possível ir atrás do rebanho e fazer parte da unanimidade de que "... o importante é competir ...", ter dignidade é possível.
OLIMPÍADAS
A Copa do Mundo e as Olimpíadas são os dois maiores eventos do planeta, ambos esportivos, e que carregam todas as mazelas das nações. Esconder tudo isso atrás de uma paráfrase é o que mais assusta a todos que tentam explicar as questões por trás da aparência. O mundo move-se pelo dinheiro, a grandiosidade de eventos como as olimpíadas cega as pessoas para muitos problemas.
Entretanto, teremos alguns dias ou semanas de êxtase para muitas pessoas. Como se não bastasse, a olimpíada ganhou até uma versão específica para portadores de necessidade especiais. Desse modo, alguns países conseguem mostrar, através das olimpíadas, a superioridade que pregam sobre outras raças e culturas.
O slogan "Citius, Altius, Fortius - Communis" não tinha o sufixo Communis. Sua introdução foi necessária para dar a ideia de comum a todos,, estava ficando feio a maioria das medalhas e louros serem sempre dos mesmos.
Será que a mudança de um slogan transforma as ideias e as possibilidades de cada um em termos de igualdade?
O espírito olímpico, partindo da paráfrase de Coubertin e do lema "Mais Rápido, Mais Alto, Mais Forte - Juntos", evocava uma visão ideal do esporte. No entanto, a realidade das Olimpíadas, incluindo os Jogos Paralímpicos, frequentemente revela uma desconexão entre esses ideais nobres e as práticas concretas.
DESIGUALDADE E DISPARIDADE
É importante reconhecer que a ênfase atual nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos se afastou significativamente da simples competição com dignidade.
A “gana por vencer” permeia todos os níveis de preparação e participação. Atletas submetem-se a regimes de treinamento exaustivos e, muitas vezes, extremos e insanos. A partir de patrocínios e financiamentos astronômicos de gigantes corporativos a exigência por resultados é cruel.
A pressão para alcançar a vitória a qualquer custo pode levar a práticas questionáveis, como o uso de substâncias proibidas. Isso, certamente, evidencia um descompasso entre o ideal de competir com dignidade alimentar(1) e a realidade da busca incessante por medalhas. E atletas com ótimo potencial competitivo ficam em enorme desvantagem até no uso de ajuda fora da legalidade.
O DESAFIO DA IGUALDADE
Embora as Olimpíadas pretendam ser um símbolo de união e igualdade, as desigualdades intrínsecas entre os atletas e nações são notórias. Recursos financeiros e tecnológicos variam drasticamente entre os países, criando uma disparidade que é difícil de ignorar.
Nações mais ricas podem investir em instalações de treinamento de última geração e contratar os melhores treinadores. Além disso, possuem apoio médico e psicológico de ponta para seus atletas. Por outro lado, países com menos recursos lutam para oferecer condições mínimas de preparação, o que inevitavelmente se reflete no desempenho de seus atletas.
Esta desigualdade é ainda mais evidente nos Jogos Paralímpicos. Embora haja um esforço significativo para promover a inclusão, os atletas paralímpicos enfrentam barreiras adicionais. O acesso a equipamentos especializados, que são caros e muitas vezes escassos, e a necessidade de suporte técnico contínuo, exacerbam as disparidades. Alguns poucos atletas paralímpicos têm acesso a próteses de alta tecnologia e cadeiras de rodas especiais. Outros, de nações menores, devem se contentar com equipamentos básicos, de segunda mão e, certamente, impróprios até para treinos.
A ILUSÃO DO "COMMUNIS"
O lema atualizado das Olimpíadas, "Citius, Altius, Fortius - Communis", sugere um ideal de unidade e progresso conjunto. No entanto, a ideia de "Communis" (Juntos) esbarra na dura realidade das divisões econômicas, tecnológicas e sociais. O palco olímpico, tanto para os atletas convencionais quanto para os paralímpicos, é um reflexo claro das desigualdades existentes na sociedade.
A competição, muitas vezes, é uma vitrine de superioridade econômica e tecnológica, ao invés de uma celebração pura de habilidades atléticas. As nações mais ricas não apenas dominam o quadro de medalhas, mas também moldam as narrativas em torno do sucesso e do heroísmo olímpico. Isso cria uma sensação de exclusão para os atletas de países menos favorecidos. Em outras palavras, apesar de seu possível talento e determinação, não podem competir em pé de igualdade.
O CAMINHO
Para que as Olimpíadas e Paralimpíadas realmente encarnem os valores de dignidade e igualdade muitas coisas devem mudar. A princípio, uma reavaliação radical das estruturas e práticas atuais é necessária. Isso inclui a criação de políticas que garantam um financiamento mais equitativo para todos os níveis de atletas. Outrossim, o desenvolvimento de programas de apoio técnico e médico acessíveis a todos os atletas, com distribuição equitativa é vital.
É essencial reconhecer que a verdadeira grandeza das Olimpíadas reside não apenas nos recordes. As histórias de superação, camaradagem e humanidade, como de atletas, por exemplo, da brasileira do rúgbi, devem ser exemplos. Celebrar a diversidade e promover a inclusão deve ser o cerne dos Jogos, não apenas um lema.
Em suma, enquanto os ideais olímpicos permanecem inspiradores, a execução prática da Olimpíada revela uma realidade diferente. No mundo real a dignidade dá lugar a necessidade de vitória e as desigualdades persistentes impedem o ideal de "Communis". O desafio é imenso, mas a busca por um espírito olímpico mais autêntico e inclusivo é um objetivo digno.
Entretanto, é triste ouvir frases como "... quem não tem competência ..." para exaltar uma derrota justificando a vitória a qualquer custo. Ou, como se não bastasse, alguém imaginar que é algum tipo de meritocracia(2) a conquista de medalhas olímpicas.
FRASES
Algumas frases do Barão de Coubertin deveriam ter sua divulgação e explicação, a cada atleta e cada nação. Talvez as pessoas tenham uma compreensão diferente das olimpíadas.
"O importante nos Jogos Olímpicos não é vencer, mas participar; o importante na vida não é o triunfo, mas a luta; o essencial não é ter conquistado, mas ter lutado bem. Espalhar esses princípios é construir uma humanidade forte e mais valente e, acima de tudo, mais escrupulosa e mais generosa" (in "The Olympian" (1984) por Peter L. Dixon, p. 210)
"Um mundo melhor só poderia ser criado por indivíduos melhores. (in "Attaining the Ideals", na revista Awake! (8 de setembro de 2000)
As olimpíadas são, sem dúvida, algo grandioso e uma ótima oportunidade para que todos demonstrem serem humanistas(3) e dignos.
"Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) O planeta inteiro está à mercê da mídia. É provável que muitos dos habitantes em toda a Terra não saiba sequer o que é uma olimpíada. A maioria nunca ouviu ou vai ouvir falar do megaevento comercial que inebria muita gente. Ser cético e/ou estoico é uma forma de não ser como aquele que vai na onda dos Influenciadores.
(1) "Entre Sem Bater - Barão de Coubertin - A Dignidade e as Olimpíadas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/26/entre-sem-bater-barao-de-coubertin-a-dignidade-e-as-olimpiadas/
(2) "Maiakovski e a dignidade alimentar" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2022/12/18/maiakovski-e-a-dignidade-alimentar/
(3) "A Meritocracia é uma Farsa" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2019/07/31/meritocracia-e-uma-farsa/
(4) "Entre Sem Bater - Madonna - Humanista" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/03/entre-sem-bater-madonna-humanista/