SUCESSÕES DE ANIMALIDADE

Acordei puro sentimento. O mais límpido amanhecer floresceu entre os arbustos das árvores que adornavam toda a selva de pedra nos arredores de minha casa. Estonteante era o meu imenso desejo de realizar alguma coisa. Não no plano físico, mas, aos arredores da ideia. Queria produzir muita emoção, pré-escritas em meus pensamentos. Tanta coisa foi concatenada enquanto deitava no frio da noite. No início do dia a energia animal que habita em qualquer indivíduo começou a me habitar. Há de se esperar certo tempo para as energias poderem nos visitar.

Quando voltei após horas de contemplação, já não lembrava quem eu era, o que havia acontecido. O processo de desenvolvimento mental é puramente metafísico, transcende toda e qualquer razão existente. E se por algum acaso não nos perdoarmos por deixá-lo vazar, perdoemos então nossas mentiras de negar a animalidade que perpetua dentro de nós. Devoramos nossas angústias e esse é um grande castigo, severo e atroz. Se não escrevemos os nossos sentimentos, o amanhecer não bastará. A luz do dia será apenas alguma meiga ilusão deficitária.

Por enquanto, estou encapsulado nas mesmas satisfações de outrora. Ler um bom livro, garimpar bons autores, impactar-se com a leitura de suas obras, são fases que em hipótese alguma deixarei de mão. O que se vive também se escreve, e ao lermos sobre os outros, de alguma maneira, reconhecemos nossas tristezas com base nas vivências de outrem. Sejamos adeptos da pureza de nossos atos. Os instintos humanos falam conosco, mas a razão é o que nos salva. Permitir-se sentir é coexistir com os demônios internos. Ainda assim, não deixemos de ser puros por aquilo que nos fabricou. São eventos que nos moldam, massas de modelar em choques subsequentes.

Senti uma rajada de vento através da janela. Meus olhos estavam vidrados em cada arrepio dos meus cabelos, conscientes do sentimento que me envolvera. Eu sou feliz! Eu sou feliz! Convenço-me. Sei também que os gritos que saem de minha voz não são tão potentes quanto aqueles que guardo enquanto preparo minhas mãos para escrever. Seria imensamente desrespeitoso se me dispusesse a ser feliz o tempo todo. É tolice querer a felicidade durante todo o dia. O segredo está no equilíbrio, equilibrar toda a nossa força, os desgostos mais sutis, com as vontades internas de fluir como o rio que passa entre a nossa cidade.

Cortei dois pães ao meio, senti-me o Deus possível naquele momento, alguém cuja a força estava em decidir o destino das criaturas. Cada pedaço representou minúcias associáveis aos meus mais notórios desejos de controlar o futuro. Quanta besteira já não fiz com a ideia precipitada de querer mais do que devia. É bom amar a si mesmo como quem ama ardentemente o próximo, pois a glória da estrada é poder desenvolver cada átomo disperso no ambiente, transformá-lo em ação e ser uma nova divindade.

Por arrependimento ou amor, me dispus a correr contra o tempo. Fui tolo, ingênuo e comedido, afinal, estava lutando contra o animal existente em meu corpo. A animalidade alia-se ao desejo de tal forma que o sujeito começa a acreditar na sua própria fantasia. Pobre daquele que não sabe sonhar com desejo, dosar todas as premissas detrás dos acontecimentos para fazer da sua pacata vida uma rotina de aventuras. É possível se aventurar até mesmo dentro de uma casa. Quem diria, afinal.

Hivton Almeida
Enviado por Hivton Almeida em 26/07/2024
Reeditado em 26/07/2024
Código do texto: T8115135
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