ENSOPADO DE MOSTARDA COM GUISADO
Nos tempos de minha infância, em um Beco da Avenida Coronel Sabino de Araujo, em Rosário do Sul, as nossas refeições, às vezes não tinham carne, ou não tinham feijão mas tinham, sempre, Mostarda.
Era mostarda com cebola, mostarda com arroz, mostarda ensopada, mostarda ao molho de cebola com alho e, em dias especiais tinha mostarda com ensopada com guisado de segunda, comprado no açougue do seu Arlindo Rosado na rua dos Andradas, depois do armazém do seu Nenê Barreto, logo após passar-se o Ginásio Placido de Castro.
Virei jovem, e fui trabalhar como Contínuo do Banco da Provincia e a partir desse momento, as minhas refeições, dos meus irmãos, do meu pai, da minha mãe da minha madrinha e do meu avô – que compunham a nossa família- passaram a ter outros ingredientes iguais aos das outras famílias, mas nunca deixaram de ter mostarda pois, na nossa horta caseira, a minha mãe tinha plantado muitos pés dessa hortaliça especial.
Acho que a minha mãe fazia questão de adicioná-la aos pratos, agora mais fartos e variados, como um sinal de gratidão e de amor por esta hortaliça que nos acompanhou nos dias de dificuldades.
Em 25 de novembro de 1970 vim embora para Porto Alegre, pois no dia seguinte- 26.11-eu iniciei o meu primeiro expediente como Auxiliar de Escrita do Banco da Amazonia.
Desta data em diante comecei a tomar o café da manhã na Pensão Fleck- de propriedade Reni e do Beto, na Andrade Neves 121 e a fazer refeições- almoço e janta- em restaurantes da Borges de Medeiros, da Rua Riachuelo, da rua Jerônimo Coelho.
Esta nova vida de trabalhador mais categorizado me deixou distante das humildes refeições do meu tempo de criança e ao me deixar distante, mas não esquecido, me apartou totalmente da Mostarda.
Assim que posso dizer que por quase mais de cinquenta anos eu nunca mais comi mostarda...
Até que em um dia deste ano de 2024, em uma das minhas reflexões matinais, sentado em um banco, olhando o mar, me veio à lembrança os meus almoços e minhas jantas do meu tempo de criança.
Essa lembrança trouxe, com ela, uma saudade imensa da mostarda...
Na volta para casa, passei no Mercado e perguntei se tinham mostarda. O funcionário que me atendeu me levou até o balcão dos condimentos e mostrou-me um vidro com um conteúdo amarelo e disse: Está aqui seu Machado.
Em resposta lhe disse que não era isto que eu queria, mas sim uma hortaliça parecida com a Alface só que, totalmente, crespa, enrugada e de um verde mais escuro.
Ele me disse que estava no setor de hortigranjeiro há quase cinco anos e não conhecia este produto.
Desse dia em diante procurei em todos mercados de Capão Novo e Capão da Canoa e não encontrei, porém, conversando com Verdureiro que nos atende Capão Novo, todas as quintas feiras, falei-lhe da mostarda e ele me disse que em Maquiné havia alguns agricultores que ainda plantavam a hortaliça e que ele ia procurar e se achasse, me traria.
Fiquei em grande expectativa, que durou semanas, até que hoje ele me disse: Seu Machado aqui está a sua mostarda.
Fui tomado de uma emoção muito grande.
Ao receber o objeto de meu desejo, já encomendei para todas a quintas feira que ele me traga, novamente.
Dirigi-me ao supermercado e pedi um meio quilo de patinho e pedi para o meu amigo Volmar – um dos açougueiros que me atende- que me entregasse a porção, em guisado cortado à faca, pois eu queria fazer um prato idêntico aos da minha infância, quando não havia máquinas de fazer guisado.
Chegado em casa, pedi para a minha cunhada que cuida da minha casa- depois que a Ana faleceu- que fizesse um guisado bem temperado, com um molho de cebola e alho e colocasse a mostarda cortada, em tiras finas, ali dentro.
Seguiu a receita, à risco, e colocou na mesa junto com o arroz, o feijão, a batata doce e mandioca frita.
A emoção foi tão grande que não consegui descrevê-la em palavras e me detive, rapidamente, entre algumas lágrimas inevitáveis a me deliciar comendo o ensopado de mostarda, sobre o qual coloquei farinha branca de mandioca, para ficar mais fiel ao prato que foi constante em minha casa durante tantos anos e que saciou a fome de minha família.
Fica, por fim, a certeza de que a nossa vida é uma história que se completa dia a dia e que nunca devemos esquecer-nos de onde viemos e de quem fomos.
Com a devida permissão, indico a meus sete ou oito leitores que experimentem a mostarda ensopada com guisado cortado à faca...
Tenho certeza de que irão gostar e me darão razão pela paixão que nunca conseguirei esquecer.
(Recanto da Ana e do Erner, 25.07.24- Capão Novo)