A Melodia Perdida
O sol parece refletir o desânimo de quem olha pela janela, buscando um motivo para se encantar. Sentado em sua poltrona favorita, Antônio Carlos revirava seus discos antigos, relíquias de uma época em que a música era feita com alma. A cada capa que tocava, uma lembrança vinha à tona.
Os Festivais da Canção, com seus palcos iluminados e vozes que arrepiavam até o mais cético dos corações.
Lá estava ele, jovem e vibrante, no meio de uma multidão que cantava em uníssono. Chico, Caetano, Gil, Elis... Nomes que traziam não apenas músicas, mas histórias, revoluções em forma de acordes. Era uma época em que a música unia, fazia pensar, transformar.
Mas agora, pensava Antônio, a realidade parecia tão distante daquela magia. Ele ligava o rádio e ouvia ritmos que, para ele, não passavam de barulhos. "Ritmo da bunda", ele murmurava, quase como uma praga. A superficialidade reinava, e o palco, antes sagrado, era agora profanado por qualquer um que tivesse acesso a um microfone e a um estúdio de gravação caseiro.
Antônio não era contra a modernidade. Ele sabia que a tecnologia tinha seus méritos. Mas a facilidade com que qualquer um se tornava "artista" o preocupava. Onde estava o filtro? Onde estava a dedicação, o estudo, a essência?
Ele se lembrava de quando sua neta, Clara, veio visitá-lo. E lá estava ele, tentando entender a nova febre musical. Havia algo ali, um ritmo contagiante, mas faltava substância.
Mas Antônio não perdia a esperança. Ele sabia que, em meio a todo esse mar de superficialidade, ainda havia talentos genuínos, artistas que lutavam para manter a chama acesa. Talvez, pensava ele, fosse apenas uma questão de tempo para que a maré mudasse e a música voltasse a ser o que sempre foi para ele: uma expressão sublime da alma humana.
E enquanto ele esperava, continuava a revirar seus discos,relembrar os bons tempos na esperança de que ela também pudesse encontrar a melodia perdida a verdadeira música, nunca morre.
Ela apenas espera o momento certo para renascer.