Entre Sem Bater - A Alma Livre
Charles Bukowski disse:
"... a alma livre é rara, mas você a reconhece quando a vê - basicamente porque você se sente bem, muito bem, quando esta perto ou com ela ..."(1)
É provável que Bukowski seja como aqueles artistas e pintores cujos trabalhos só tiveram valorização após morrerem. Desse modo, afirmo que até pouco tempo atrás, nem sabia que era o de cujus. Contudo, comecei a ver e pensar sobre suas frases e, mesmo sem confirmação da autoria de algumas, perseverei. Em outras palavras, ainda tento entender as coisas(2) que Bukowski escreveu, discordando muito do que ele pensava. Se por um lado, são interessantes as suas abordagens, por outro lado, a compreensão da expressão alma livre pode suscitar muitas defecções da leitura.
UMA ALMA LIVRE
Alguns pensadores, como deve ser com Bukowski, encontram poucas pessoas que se dispõem a refletir sobre seus pensamentos. Existem muitas dúvidas sobre alguns pensadores de sucesso editorial(*). A questão é simples, se vendem milhões de livros, por quê será que as pessoas que fazem reflexões nas redes sociais são poucas?
A princípio, esta resposta pode parecer simples, ou as pessoas arrumarem frases feitas ou chavões para justificar. Entretanto, parece que a frase de Bukowski responde parcialmente à questão. Os puros de alma livre estão perdendo a guerra, assim como Nélson Rodrigues vaticinou sobre sermos minoria.
- "Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos."
Enfim, é muito difícil ser ou se tornar uma alma livre, ainda mais com o tsunami de autômatos reproduzindo o que não compreendem. Somos escravos, com toda a certeza, das tecnologias e da preguiça mental(3) que reina nas redes sociais.
DISTANCIAMENTO DA ALMA LIVRE
Em um mundo sob domínio das tecnologias, a frase de Charles Bukowski apresenta-se com uma gravidade ímpar. A alma livre é mais do que rara, sofre ataques e, como se não bastasse, em menor quantidade, recebe recriminações.
Assim sendo, na loucura do cotidiano, com a superficialidade das redes sociais e o distanciamento físico, fica impossível encontrarmos uma alma livre.
As redes sociais, que prometem conectar o mundo, paradoxalmente nos afastam do contato humano genuíno. Vivemos em uma era onde a imagem que projetamos online muitas vezes vale mais do que a realidade que não vemos. Nossos perfis repletos de momentos de felicidade aparente e sucesso, escondem a complexidade de nossas emoções e experiências.
Este fenômeno anormal obscurece a essência de quem realmente somos ou a possibilidade de sermos uma alma livre.
SUPERFICIALIDADES
A superficialidade das interações nas redes sociais contribui significativamente para o nosso distanciamento das almas livres. Likes, comentários e compartilhamentos substituíram conversas profundas e conexões significativas. A comunicação se tornou rápida e efêmera, reduzida a emojis e memes que dificilmente capturam a profundidade do nosso ser.
As redes sociais incentivam uma cultura de imediatismo e da gratificação instantânea, onde qualquer reflexão fica de lado.
Essa superficialidade é uma barreira para a liberdade da alma. A alma livre, como Bukowski descreve, estabelece-se pela sensação de bem-estar que provoca em sua presença. Por outro lado, as interações nas redes sociais são vazias, deixando-nos com uma sensação de solidão e insatisfação. A busca incessante por aprovação digital nos afasta de nossa autenticidade, nos distanciando de nossa própria liberdade interior.
Além disso, o distanciamento físico recente, durante a pandemia de COVID-19, intensificou ainda mais esse fenômeno anormal. O isolamento social e a dependência da tecnologia para comunicação tornaram as interações humanas diretas ainda mais raras. As reuniões virtuais e as ligações de vídeo, embora úteis, não substituem muitos aspectos da presença física e a energia por estar perto de alguém. O toque, o olhar e a presença física são elementos cruciais para a conexão humana verdadeira. Por isso, a ideia de que a ausência de encontros presenciais cria uma lacuna difícil de preencher é real. Desta forma, fica praticamente impossível percebermos uma alma livre ao nosso redor.
LOUCURA... LOUCURA...
Essa ausência de contato físico dificulta o reconhecimento e a valorização das almas livres. A energia que emana de uma alma livre, aquela sensação de bem-estar que Bukowski disse, é algo que só a presença física proporciona. A tecnologia, que avança cada vez mais, não conseguirá, certamente, replicar a profundidade e a riqueza das interações humanas presenciais.
A loucura(4) do cotidiano, e a explosão de informações superficiais afeta, inquestionavelmente, a capacidade de exercitar nossa própria liberdade. Estamos, sem dúvida, sob um bombardeio por notificações, e-mails e mensagens que exigem nossa atenção. Com toda a certeza, quando uma pessoa diante de nós recebe uma mensagem instantânea e desvia o olhar, não temos uma alma livre.
Esse fluxo incessante de informação nos deixa pouco tempo e espaço para a introspecção e para manifestações autênticas. A liberdade da alma requer tempo para reflexão, autoconhecimento e a coragem de ser vulnerável. Em outras palavras, estas qualidades, frequentemente, perecem ante a correria insana do dia a dia digital.
CONECTAR OU NÃO CONECTAR?
Enfim, parafraseando o escritor-filósofo existencialista: conectar ou não conectar, eis a questão.
É impossível não se conectar nos tempos atuais, contudo, não devemos nos conectar como os outros querem. É provável que este seja o primeiro passo para termos uma alma livre. Outrossim, é necessário uma compreensão de nossos interlocutores para os benefícios destas conexões seletivas.
Para recuperar a proximidade com as almas livres, e para sermos nós mesmos uma alma livre, é necessário um esforço consciente descomunal. Desconectar-se das superficialidades das redes sociais e reconectar-se com o mundo ao nosso redor é essencial. Portanto, isso significa limitar a qualidade do tempo gasto online, escolhendo as conexões saudáveis mentalmente. Adicionalmente, devemos buscar interações presenciais, sempre que possível. Cultivar hobbies e atividades que nos tragam alegria e satisfação genuínas, com aqueles que compartilham das mesmas opções, é uma alternativa.
A prática da atenção plena e a valorização do momento presente são fundamentais para redescobrir a profundidade de nossas conexões humanas.
Em resumo, a frase de Bukowski nos lembra da raridade e do valor inestimável de uma alma livre. No entanto, a loucura do cotidiano atual, que alimenta-se da superficialidade e do distanciamento físico, é uma barreira real. Desse modo, precisamos fazer um esforço consciente para recuperarmos ao menos parte das interações humanas. Sempre devemos valorizar a presença física e a verdadeira conexão emocional. Assim sendo, poderemos redescobrir a sensação de bem-estar que Bukowski descreveu e, quem sabe, nutrir a nossa própria alma livre.
Com toda a certeza, ser uma alma livre exige muito mais do que vontade. As atitudes, inclusive das pessoas próximas, determinam se alguém é livre ou se são somente aparências.
"Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) As listas de livros "best-seller" e o número de leitores e comentaristas das redes sociais que fazem reflexão não fecha a conta. Alguma coisa de muito podre acontece, sem dúvida, no Reino da Dinamarca, e recrudesceu com as redes sociais e os e-books.
(1) "Entre Sem Bater - Charles Bukowski - A Alma Livre" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/23/entre-sem-bater-charles-bukowski-a-alma-livre/
(2) "Entre Sem Bater - Charles Bukowski - Entender as Coisas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/08/04/entre-sem-bater-charles-bukowski-entender-as-coisas/
(3) "Entre Sem Bater - Liz Hurley - Preguiça Mental" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/03/10/entre-sem-bater-liz-hurley-preguica-mental/
(4) "Entre Sem Bater - Machado de Assis - A Loucura" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/11/entre-sem-bater-machado-de-assis-a-loucura/