Seixo rolado
Tem gente que a vê como uma reles pedrinha. De tão lisa parece ter sido aparada com capricho por um ourives. Que mãos a tocaram? Quais máquinas atuaram no processo de arredondamento? Não é o caso, a pedrinha chegou até aqui arrastada pelas águas de um rio, sabe-se lá os caminhos percorridos.
Foi escolhida ao acaso, num lugar chamado Prainha, no areal à beira de um córrego cujo nome não ficou gravado na memória. Milhões de outras pedrinhas faziam-lhe companhia. Agora, solitária, cumpre a função de evitar que folhas dispersas de papel, contas a pagar, folhetos de propaganda de apartamentos de luxo e outros documentos insignificantes saiam por aí, voando janela afora ao menor indício de um vento forte.
Tão redondinha, livre de arestas e de pontas que um desinformado das coisas do mundo poderia pensar que um ser superior, talvez um deus grego ou etrusco, a criou. Será que algum soberano encarregava legiões de escravos de esmerilharem pedras no leito de um rio? Seriam as respostas mais fáceis, mas, se quisermos descobrir algo temos de superar as aparências e as ilusões que nos habitam e que tanto encanta uns e outros. É preciso ir além das margens dos rios e dos córregos. Melhor mergulhar com vontade e sem medo nas águas frias e profundas da história geológica do mundo.
Quantas viagens como a do Beagle ainda precisaremos fazer para obter as respostas que queremos? Quantos laboratórios de última geração terão de ser construídos? Quantas léguas a percorrer em trilhas estreitas de florestas tropicais, em savanas e em estepes geladas, para descobrir de onde vem uma simples pedrinha? Quantas montanhas será preciso escalar, quantos picos subir para saber se alguma pedrinha como esta esteve lá em cima um dia? Que forças naturais a fizeram rolar morro abaixo? Como foi sua viagem? Quantos anos ela levou descendo serras geladas até as margens de um córrego tropical?
Qual era seu tamanho original? Talvez um bloco imenso que se soltou durante um abalo sísmico. Talvez um enorme matacão que se desprendeu do alto de uma cachoeira durante uma tempestade. Talvez…
Muitos já olharam para ela, calcularam sua trajetória, sua idade, sua origem. Foi classificada, batizada, nomeada, medida e teve sua composição mineral determinada. Chamaram-lhe de seixo, definiram granulometrias. Muitas foram retiradas das margens dos rios, levadas para comercialização e, hoje, enfeitam jardins de residências e prédios diversos. São duráveis, não se quebram com facilidade, encantam pela sua diversidade, pelas formas arredondadas. Mas são apenas fragmentos, pedaços, resíduos de rochas cuja origem se perde no tempo. Pertencem a uma época pré-histórica muito distante, conheceram os grandes movimentos das massas continentais, estiveram nos altos cumes e no fundo dos mares em remotas eras geológicas.
Como nós, humanos, cada pedrinha é especial, é única, não existem duas iguais. Cada uma delas carrega uma história e, provavelmente, quando desaparecermos, elas vão continuar sua trajetória, decerto como poeira cósmica.