Entre Sem Bater - O Fanático Religioso

Carl Sagan disse:

"... não é possível convencer um fanático religioso de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar em algo ..."(1)

Muitas pessoas confundem coisas que não se misturam. Por exemplo, astronomia e astrologia baseiam-se nas mesmas questões e princípios, o universo além do planeta Terra. Entretanto, como Sagan afirmava, com razão, que somos uma espécie de poeira do universo, a cabeça das pessoas entra em vertigem(*). Como se não bastasse, aparecem a espécie do fanático religioso, na maioria dos casos monoteístas. As ideias, pensamentos e prática de Sagan deveriam servir de exemplo para muitos lunáticos e dependentes de tecnologias.

FANÁTICO

A percepção da loucura(2) ou fanatismo evoluiu significativamente ao longo dos últimos séculos, refletindo mudanças drásticas na sociedade. Cem ou duzentos anos atrás, a loucura apresentava-se através de um prisma de medo, irracionalidade e incompreensão. Os "loucos" sofriam marginalização enquanto um fanático religioso tinha abrigo em castas e grupos de interesse. Os "loucos" sofriam segregação em manicômios e recebiam tratamentos desumanos.

Surpreendentemente, países que se imagina imune tiveram versões cruéis como o que podemos chamar de holocausto brasileiro(3). A falta de conhecimento sobre doenças mentais resultava no estigma, preconceito e exclusão social. Em outras palavras, a sociedade via a loucura  uma enorme ameaça à ordem e à moralidade, um despropósito.

Anteriormente, a loucura associava-se a um afastamento radical da realidade e da razão. Era, segundo a percepção dos donatários do conhecimento, uma espécie de distúrbio da mente ou uma punição divina. Autores e pensadores como Foucault exploraram essa marginalização em obras como "História da Loucura". Desse modo, destacam como a sociedade controlava e segregava aqueles que não se enquadravam nas normas e padrões das classes dominantes.

TEMPOS MODERNOS

A definição e a percepção de loucura sofreram, atualmente, uma transformação, adaptação e até mesmo uma espécie de normalização. No contexto das redes sociais, a "loucura" assume uma forma diferente. Não se trata mais de um desvio clínico grave da realidade, mas sim de um comportamento diferente em torno de alguns temas ou crenças.

Um "fanático" nas redes sociais é alguém que, imerso em uma câmara de eco digital, adota e promove ideias extremas. Assim sendo, o fanático moderno age com uma convicção fervorosa que desafia qualquer lógica e o diálogo razoável.

Desse modo, se a loucura de outrora previa o isolamento e exclusão, a "loucura" contemporânea amplifica-se pela conectividade sem limites. O fanático moderno assume diferentes papéis, mas, no geral, é aquele idiota da aldeia conforme preconizou Umberto Eco.

FANATISMO

Nesse ínterim, o fanatismo das redes sociais amplas e sem controle se caracteriza pela intensificação e rápida disseminação de ideologias extremas. Nas bolhas e grupos predominam, sem dúvida, os algoritmos que reforçam as crenças dos usuários, levando à polarização. Essa dinâmica alimenta a formação de comunidades herméticas e homogêneas. Por isso, nestes espaços, as ideias radicais de um fanático raramente têm oposição, e promovem uma mentalidade de "nós contra eles".

A facilidade de compartilhamento e a instantaneidade das redes permitem ao fanático o que de pior as tecnologias oferecem, ou seja:

discursos de ódio;

teorias da conspiração;

desinformação;

fake news e outras.

Como se não bastasse, tudo isso se espalha rapidamente, amplificando o fanatismo. Adicionalmente, o anonimato e a ausência de moderação eficaz encorajam comportamentos agressivos, o preconceito e a intolerância. O fanático encontra, desse modo, um ambiente propício para a radicalização.

Além disso, líderes carismáticos e influenciadores, certamente, exploram o fanatismo para ganhos pessoais ou políticos. A constante busca por validação social incentiva, outrossim, a criação e disseminação de conteúdos para todo tipo de fanático.

Esse cenário leva à desumanização do outro, pois as interações digitais tendem a ser menos empáticas e mais hostis. O fanatismo, alimenta-se de redes sociais sem controle, num óbice para a coesão social e a democracia.

FANÁTICO RELIGIOSO

Neste contexto, surge um dos maiores problemas da sociedade contemporânea. O fanático religioso que, na maioria dos casos, pelo seu monoteísmo, provoca verdadeiras guerras religiosas(4). Se este fanático tem algum poder sobre legiões de seguidores, a guerra é sangrenta, em nome de um deus. Por outro lado, se o fanatismo não é tão amplo provoca estragos em famílias e grupos sociais. Enfim, o fanático religioso é exatamente o que descreveu Sagan, incapaz de pensar por si mesmo e seguir somente uma crença.

CIÊNCIA E CETICISMO

A incapacidade de um fanático religioso entender e aceitar qualquer metodologia científica ou apresentar um comportamento cético é secular. É provável que a adesão intransigente deste fanático a dogmas e mitos seja decorrente da sua pouca educação e cultura. O fanatismo religioso fundamenta-se na crença inabalável e uma obediência rígida a preceitos religiosos. Inquestionavelmente, este comportamento se contrapõe ao pensamento científico.

A ciência se baseia na observação, experimentação e na disposição de revisitar e questionar teorias com base em novas evidências. Este processo dinâmico de validação e revisão é fundamental para o avanço do conhecimento científico e da sociedade. Por outro lado, o fanático religioso tende a valorizar a fé cega e a aceitação acrítica de textos e doutrinas religiosas. Desta forma, provérbios, salmos e afins são como verdades absolutas e imutáveis que regem as vidas dos crentes.

CONFLITOS

Em suma, essas diferenças de abordagem proporcionam um conflito entre a ciência e o fanatismo religioso. Por exemplo, teorias científicas como a evolução e o Big Bang sofrem rejeição por parte dos fanáticos religiosos. Eles preferem, notadamente, explicações com fundamentação em mitos de criação das suas escrituras. A rejeição de evidências científicas e a recusa em questionar dogmas e o ceticismo são uma grande ameaça à sua fé.

Enquanto essa guerra prospera nas redes sociais, surgem os "especialistas" em astronomia e astrologia(5), misturando tudo com religião. Antigamente, os politeístas tinham vários deuses, a maioria com vínculos aos objetos astronômicos. Esta mixórdia ampliou-se de maneira assustadora com as redes sociais e, precipuamente, com a inteligência artificial.

O fanatismo religioso, com efeito, promove a ideia de que questionar ou duvidar dos ensinamentos religiosos é um ato de infidelidade ou heresia. Por isso, o fanático não tem curiosidade e não pratica o questionamento crítico, elementos essenciais para o pensamento científico. Com toda a certeza, o medo de punição divina ou ostracismo social também inibe a disposição de um fanático religioso em pensar cientificamente.

ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE

Assim, enquanto a ciência prospera na dúvida e na busca contínua por respostas, o fanatismo religioso retrocede na história da humanidade. A capacidade de aceitar incertezas e mudar de opinião com base em novas evidências é o principal pilar da ciência e da evolução. Por outro lado, os fanáticos religiosos preferem as falsas certezas e suas crenças, pela sua devoção dogmática inabalável.

A psicologia moderna e a psiquiatria ainda trabalham para entender os impactos dessas novas formas de comportamento obsessivo. O fanatismo online leva a uma polarização e à radicalização, influenciando não apenas o indivíduo, mas também o tecido social a que pertence.

Em síntese, a loucura de cem ou duzentos anos atrás recebia tratamento pelo medo e isolamento, a "loucura" moderna faz o contrário. As redes sociais, que se alimentam da hiperconectividade e da formação de comunidades de pensamento homogêneo, predominam. Ambas as formas de loucura cria um tipo de fanático que torna-se uma pessoa incontrolável.

O efeito das redes sociais sobre a saúde mental e o comportamento coletivo é, sem dúvida, um campo de estudo emergente e crucial.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*)  Vertigem é um termo que explica a desorientação que as pessoas sentem por algum tipo de deficiência. Misturar astronomia com astrologia e religião, certamente, é uma deficiência grave, provavelmente incurável.

(1) "Entre Sem Bater - Carl Sagan - O Fanático Religioso" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/07/22/entre-sem-bater-carl-sagan-o-fanatico-religioso/

(2) "Entre Sem Bater - Machado de Assis - A Loucura" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/11/entre-sem-bater-machado-de-assis-a-loucura/

(3) "Entre Sem Bater - Daniela Arbex - Holocausto Brasileiro" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/02/26/entre-sem-bater-daniela-arbex-holocausto-brasileiro/

(4) "Entre Sem Bater - Schopenhauer - As Guerras Religiosas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/04/05/entre-sem-bater-schopenhauer-as-guerras-religiosas/

(5) "Entre Sem Bater - Robert Green Ingersoll - Astrologia e Religião" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/04/10/entre-sem-bater-robert-green-ingersoll-astrologia-e-religiao/