A chuva, o menino e o barco de papel

Não recordo do dia, do mês ou do ano, apenas como hoje, estava chovendo os grilos, os sapos e os pássaros nas árvores cantando e eu, como toda criança queria está no molhado.

Tinha acabado de acordar afoito, com aquele ninar das gotas de chuva no telhado. O friozinho corria lençol a dentro, que nem o mosquiteiro da rede impedia.

Café com leite e  pão à mesa me chamando pra tomar e eu ainda me espreguiçando na vontade de brincar.

Só imaginando o camburão cheio de água  a escorrer fazendo uma cascata, que abria no chão um sulco com corredeira, como se fosse um imenso rio.Saia da última casa, que era a minha e passava pelas outras cinco até desembocar na rua, que levava ao igarapé das armas.

À  mesa tomando café dava pra ver também as árvores em festa, os cupins de asa infestarem  casa, as saúvas oriçadas pela invasão da água. Enquanto o meu avô, como a lembrar de si na fazenda, como o infante dom Herique VI incentivava e  fazia pra mim um barquinho de papel, que ao ver tal obra atiçou o meu comportamento, forjndo a minha criatividade,  a ponto de colocar vários palitos de fósforo no convés  e dali imaginar uma grande aventura.

Coloquei aquele barquinho na água como um ponta pé,  pra eu ir também.

A chuva intensa e gostosa assomava meu corpo esguio ao do taperebazeiro...

Com os pés no chão corria seguindo o barquinho e gritando pela vila uma liberdade, que sem explicação burocratica,  só a fantasia me dizia.

O mundo era meu, aquele momento...sem lenço ou documento corria, pulava e mergulhava dentro do camburão...não tinha ouro nem prata. Só vestido com um calção, enfrentando o frio como o senhor da situação. Assim eu seguia o barco e meus amiguinhos pediam permissão pra também desfrutarem da luz.

Até que minha mãe me trouxe pra realidade:

- Albertinho!... Descalço e sem camisa.Sai já da chuva. Tu queres adoecer pra me dar trabalho?...

Mesmo com o frio impondo ao corpo limites , eu queria ficar. Ainda mais, quando chegaram pra brincar Maurinho e Ozemar.

Vovô ainda contra argumentou ao meu favor dizendo:

- Maria, esse menino passa a semana toda estudando. Deixe-o brincar. Tu queres que ele fique como o Mário?... menino que só vive doente.

Acredito , que ela até pensou...

Mas quando o resto da lenha veio pra atiçar o fogo...ela me ordenou:

- Já chega moleque.Entra agora ou vou te buscar ai.

Como o chocolate não dura para sempre e eu devia obediência sob o argumento opressivo da época...cabisbaixo, quase chorando entrei. Porém fiquei da janela a acompanhar os meus amigos terminarem a chuva e verem o final da aventura do meu barquinho de papel, que seguiu pro igarapé.