TIMONEIRO
Eu era timoneiro de viagem durante os dois anos que fiquei embarcado na marinha, eu servia em um tipo de navio especializado em caçar submarinos (contratorpedeiro) ele já se aposentou, eles levam as embarcações para alto mar e afundam, ele descansa hoje em algum lugar do atlântico.
Algumas coisas só podem ser vistas no mar, e antes que fuja da minha memória vou compartilhar com vocês.
Vi golfinhos nadando lado a lado como se estivessem numa corrida, eles brincavam como crianças, e em certos momentos olhavam para nós, e quem sabe pensavam, “esse é o nosso Deus”.
De noite mar e céu quase se confundem, as estrelas tocam as águas enquanto giram no espaço, elas ainda servem de guia para quem está perdido e tão longe de casa.
A espuma que vemos na praia, em alto mar são chamadas de “carneirinhos”, e eles pulam nas ondas, a vaga entre uma onda e outra pode caber um navio inteiro dentro, quando o monstro de ferro mergulha numa, ele retorna tremendo como um grande terremoto e toda aquela carcaça metálica ressurge e segue viagem.
As pancadas de chuvas, são véus de noiva, caindo das nuvens cinza chumbo.
O arco-íris pode ser visto por completo, as duas pontas do arco tocam o oceano, e quando ele surge, todos nós a bordo amolecemos os corações com aquele espetáculo, e esquecemos da possibilidade de não voltar para casa.
Eu vi neve! Na terra do Fogo na Argentina em setembro de 1994 (eu tinha feito 18 anos naquele dia) não tem imagem na televisão ou no cinema que possa descrever isso, estávamos fundeados na baia de Ushuaia, as montanhas em volta cobertas com mantos brancos esperando os deuses virem se deitar. No momento da partida quando a ancora estava sendo recolhida ela começou a cair, era como algodão, e leve como uma pequena pena de ave. Fazia menos dez graus, com essa temperatura não têm parte do seu corpo que não esteja doendo. O convés do navio ficou todo branco, partimos, seis dias depois estávamos no Rio de Janeiro em segurança.
Seria muito egoísmo da minha parte, um dia morrer e não compartilhar isso com ninguém, minhas lagrimas são parte deste mar salgado, na areia da praia em dias de sol vocês se banham com elas...