Beleza e valor do canto de página

 

O escritor baiano Antônio Torres, romancista de renome internacional e imortal da Academia Brasileira de Letras, se diz um fascinado por título. E, como bom literato, à guisa de intertextualidade, brinca em alusão à famosa frase do personagem de Shakespeare: “Um título! Meu reino por um título!” Na minha biblioteca, tenho livros que me fascinam já pelo título. Um deles é Jornalismo e literatura: a sedução da palavra, que trata, como se vê, de jornalismo e literatura. E, sem prejuízo de outros gêneros, vai a fundo na história da crônica.

 

A história da crônica é fascinante. A crônica de jornal praticada por Machado de Assis, nos anos de 1859 a 1862, por exemplo, era bem mais extensa do que a de Carlos Heitor Cony, Moacyr Scliar, Otto Lara Resende, Ruy Castro e outros cronistas de nossos dias. A beleza e a essência, contudo, são iguais. Reduzida ao canto de página, a crônica perdeu espaço para o texto e diminuiu o número de palavras, modernamente falando, número de toques, mas, por demandar menos tempo de leitura, ganhou em atração do leitor. Que maravilha era o canto de página de Otto Lara Resende na Folha de S. Paulo, de 1991 a 1992: crônica impecavelmente com cinco parágrafos e sempre mais ou menos o mesmo número de palavras, tudo adequado ao exíguo espaço determinado.

 

Hoje, bem mais do que antes, essa adequação se impõe. O ser humano – salvo as exceções, que naturalmente são poucas –, a cada dia que passa, se torna mais alienado, porque impaciente e incapaz de se concentrar mais do que por alguns segundos em qualquer leitura. Livro ou qualquer outro texto fora as mensagens de celular? Nem pensar. A mensagem tem que ser curta e, de preferência, alienante. Caso contrário, será tachada de textão e abandonada sem ler. Isso talvez explique, penso, a adoção pela publicidade de técnicas sub-repticiamente dominantes, aliciadoras. Sei lá! Aí já é outra história. Ou não.

 

Isso deveras me incomoda. Por vários motivos, notadamente como escritor. Embora não viva das insignificâncias literárias que escrevo, quem escreve quer ser lido. Tem valor inestimável a aceitação do leitor. Além disso, fico muito feliz ao ver que algo meu foi citado em um livro de doutrina, artigo acadêmico, trabalho de conclusão de curso, decisão judicial, e assim por diante, ou, ainda, que artigo de minha autoria foi republicado na revista de alguma universidade. Como eu disse, porém, o fato de querer ser lido é apenas um dos motivos.

 

O que esperar de tão abusiva e dominadoramente alienante relação com a tecnologia? É reversível? Até aonde nos levarão a falta de concentração, a incapacidade para a leitura e a consequente alienação da pessoa? Sem ler, é impossível aprender e se atualizar. Como acompanhar as inovações científicas, tecnológicas, literárias e culturais? E os profissionais malformados e desatualizados pela incapacidade de ler? Perspectivas nada boas. O jornal impresso está desaparecendo. A despeito disso, porém, impresso ou virtual, viva o canto de página, digo, viva a crônica! Ah, sim!... José Sarney tem um livro de crônicas intitulado Canto de página: notas de um brasileiro atento.