O Coelho e as Maravilhas
Sempre atrasado segue o coelho. Com suas meias desparelhadas, seus botões abertos e seus olhos focados, mal percebe em si o cheiro do passado que exala. Só tem olhos para o futuro, correndo passo após passo rumo ao compromisso que nem se lembra mais qual era. Está atrasado, e é tudo que se passa em sua cabeça. Precisa correr, precisa se focar, precisa progredir, não importa o destino.
Não há festa do chá ou rainha de copas para o coelho. Não há o sorriso do gato, não há o bolo recém feito ou a porta que a ele fala. Não há tempo para futilidades como as loucuras do mundo há seu redor. “Não há tempo nenhum”, repete para si mesmo. Não há nada além do atraso que o persegue, infinitamente o lembrando que não chegara ao ponto final de sua jornada. Não que o soubesse se chegara, não olhava em seu mapa há décadas, apenas corria, sem parar, atrás do ponteiro dos segundos.
Alice vira as maravilhas do mundo e a si retornara. Alice olhara a si mesma no espelho setenta e sete vezes antes de ver a maravilha refletida em teus próprios olhos. Alice seguira o coelho, mas o coelho jamais olhou para Alice. Jamais olhara para nada além dos doze números e seus quarenta e oito complementos. Não vira, no país das maravilhas, nada que o tirasse da correria diária. Do atraso. Do bater do coração, três vezes mais rápido que os tiques do relógio de bolso. Quem sabe se o coelho perguntasse à Alice: “sabes para que estou atrasado?” a garota o responderia “para encontrar a si mesmo”. Mas isso o pequeno animal mal tinha tempo de considerar fazê-lo.
Quantos tesouros incríveis deixara de lado para mais rápido correr? Em quantos buracos se enfiara para mais cedo chegar? Quantas garotas perdidas ignorará ao longo de sua jornada sem fim? Quantos espelhos não olhará, ignorando a si mesmo, apenas para mais rápido chegar? Quanto tempo correrá de si mesmo, para mais longe do destino que a tanto deseja chegar?
Quantas maravilhas não serão olhadas até que o coelho perceba a maravilha em si mesmo?